Gaia.


                 
  A visão cartesiana que ainda domina grande parte do pensamento científico atual coloca-nos como observadores externos da Natureza. Daí o conceito de “ambiente natural”. O ambiente é visto como algo externo a nós, no qual estamos total e umbilicalmente imersos, é verdade, mas que não faz parte de nosso ser – uma dicotomia bem clara.
                  Temos hoje a cibernética e a sinergística, mas são raros, muito raros, os que observam a Natureza, muito mais raros ainda, aqueles que lidam com o Mundo dentro dos enfoques destas disciplinas. A doutrina que norteia a tecnologia moderna baseia-se, sempre, em visão reducionista. Os alvos são estreitos, o raciocínio é linear.
                  Mas o Mundo não é assim. Façamos um “experimento mental” (Gedenkenexperiment) como dizia Einstein:
                 Acaso seria possível um planeta cheio de vida, como o nosso, mas no qual a vida estivesse constituída apenas de animais, sem que existissem plantas?
                 É claro que não. Por que não?
                 Mesmo aqueles animais que só se alimentam de carne, como o leão ou o gavião caramujeiro, que carne comem? Eles comem carne de animais herbívoros ou de animais carnívoros que comeram herbívoros. A coisa sempre termina na planta.
                 Por que termina na planta? Muito simples: a planta sabe fazer uma coisa que animal nenhum consegue fazer. A planta domina a técnica – a “tecnologia” como diríamos hoje – da fotossíntese. O que é a fotossíntese? As  plantas captam energia solar, retiram do ar gás carbônico, que elas combinam com água para fazer substâncias orgânicas. Neste trabalho elas liberam oxigênio. A fórmula supersimplificada da fotossíntese é a seguinte: 
CO2 + H2O + energia solar = CH2O + O2
                 Esta reação é muito interessante. Do lado esquerdo temos duas substâncias minerais simples, substâncias sem conteúdo energético, isto é, em nível molecular, que é o nível no qual transam os seres vivos e o mundo mineral que os circunda. (Em termos de física nuclear, que rege no interior do sol e das estrelas, ou nos infames reatores e bombas nucleares, a coisa seria diferente). Da água e do gás carbônico não se pode retirar energia. De vez em quando aparecem nos jornais histórias de inventores que teriam concebido motores que usam água como combustível. Ora, quem conhece as leis básicas da física e a direção das reações mais fundamentais da química, sabe que isto é balela.
                  Do outro lado da fórmula temos um carbohidrato e oxigênio livre. CH2O é a fórmula supersimplificada dos açúcares, amidos, celuloses. Os carbohidratos têm alto conteúdo energético. Poderíamos chamá-los de baterias químicas. Quando combinados, isto é, queimados com oxigênio liberam calor. A reação da fotossíntese fornece as duas coisas – carbohidratos e oxigênio!
                  Os animais, para todas as suas atividades, necessitam de energia. A única fonte inesgotável de energia na Terra é a radiação solar, enquanto durar o sol, mais uns cinco bilhões de anos. Se a Vida dependesse de algo como o petróleo ou do carvão, já se teria acabado. Mas esta é uma consideração absurda, pois foi a Vida que fez o carvão e o petróleo. Para captar a luz é preciso ficar parado, apresentar grande superfície de captação, é o que fazem as plantas com suas folhas, sempre orientadas em direção ao Sol. Pela sua natureza dinâmica, os animais não podem fazer isso. Servem-se das plantas, aproveitam as substâncias orgânicas por elas produzidas.
                  Vamos agora inverter nossa pergunta inicial:
 Poderíamos imaginar-nos um planeta com vida mas sem animais, só com plantas? Não seria este um planeta bem mais harmônico, sem sofrimento? As plantas poderiam desenvolver-se livremente, sem serem pastadas, pisoteadas, consumidas, queimadas.
 Impossível.
                  A fórmula da fotossíntese mostra que o alimento principal das plantas é o gás carbônico. Mas ele é quase um gás raro na atmosfera. O nitrogênio, N2, constitui o grosso do ar, aproximadamente 79%. O oxigênio, O2, está próximo dos 20%. O resto é argônio e gases raros. Apesar de sua concentração ter sido drasticamente aumentada nos últimos duzentos anos pelas chaminés das indústrias, os escapes dos carros, pela destruição do húmus do solo e pela devastação florestal, o gás carbônico constitui apenas 0,033%. Por quê as plantas não esgotam rapidamente o gás carbônico?
                  São os animais que não permitem que as plantas morram de fome. Os animais dominam outra técnica muito parecida à fotossíntese, quase igual, porém invertida – a respiração. Vejamos a fórmula simplificada da respiração:
 CH2O + O2 + energia = CO2 + H2O
                  Exatamente o contrário da fotossíntese! Enquanto as plantas, armazenando energia, sintetizam substâncias orgânicas, liberando oxigênio, os animais, com oxigênio, queimam estas substâncias e usam a energia liberada no processo. Eles devolvem ao ambiente exatamente aquilo que a planta retirou. (+).
                  Detalhe curioso, muito significativo: o catalisador da fotossíntese é a clorofila, um pigmento verde, uma molécula bastante complicada do tipo que os químicos chamam de quelatos. Quelatos são moléculas grandes, em forma de gaiola, que seqüestram em seu centro um átomo de metal. No caso da clorofila é um átomo de magnésio. O catalisador da respiração é a hemoglobina, também um pigmento, este, vermelho. O átomo central é o ferro. Como sabe todo aquele que estuda teoria das cores, vermelho e verde são cores complementares.
(+) Para que não protestem alguns, as plantas também respiram, mas o balanço é negativo para o gás carbônico.
                 Podemos agora desenhar um diagrama muito simples:
A planta capta gás carbônico, entrega oxigênio, o animal consome este oxigênio, devolve o gás carbônico. O círculo se fecha. A energia que toca este carrossel é a radiação do Sol.
 Ora, Planta e Animal fazem parte da mesma unidade funcional, são órgãos de um organismo maior: não somente a Planta está aqui para nós, nós também aqui estamos para ela!
 As árvores, florestas, pradarias, os banhados, as algas microscópicas dos oceanos, são órgãos nossos, tão nosso quanto nosso pulmão, coração, fígado ou baço. Poderíamos chamá-los de “nossos órgãos externos”, enquanto estes últimos são nossos órgãos internos. Mas nós somos órgãos externos delas! O Organismo Maior é um só.
 Mas a complementariedade e interdependência de fotossíntese e respiração, de sedentariedade e mobilidade, é apenas uma entre infinidade de interações que integram o Grande Processo Vital.
                Vamos apenas lembrar algumas:
                A abelha e a flor. Em alguns casos a dependência entre flor e animal fecundador é tão precisa que as duas espécies são exclusivas, evoluem juntas. É o caso das vespinhas das figueiras, que vivem dentro dos figuinhos. Cada espécie da grande família dos Fícus é fecundada por outra espécie de microhimenóptero exclusiva dela. Ou o beija-flor que tem o bico certo para a orquídea certa, a mamangava que tem dimensões e pêlos certos para a respectiva flor de maracujá.
                Em alguns solos úmidos, extremamente ácidos e pobres em nutrientes, o mundo vegetal consegue avançar com pioneiras muito especializadas, certas plantas carnívoras. Não conseguindo retirar minerais do solo, elas se alimentam de insetos. Quando morrem, com o húmus daí resultante, enriquecem o solo, preparando-o para outras plantas, menos especializadas. A morte é fundamental no Grande Contexto.
                Por que muitas plantas fazem frutos gostosos? A eficiência na fotossíntese proíbe as plantas viajar. Mas elas também têm que conquistar território. O fruto é o preço que elas pagam ao animal que o come pelo transporte da semente. As grandes figueiras centenárias que enfeitam, ainda, campos e capões do litoral e da baixada central gaúcha, são bem mais precisas. Na maioria das árvores, as sementes germinam na escuridão do solo da floresta. As mudinhas passam anos ou décadas de vida precária, lutando para chegar em cima. Em geral só conseguem quando, pela queda de um gigante decrépito, surge um novo espaço. A figueira faz o contrário. Ela nasce no alto de outras árvores. Passa anos de vida precária como epífita, alimentando-se do húmus dos galhos e troncos podres. Mas consegue enviar uma raiz ao chão. Quando lá chega, se fortalece, emite mais raízes, abraça e estrangula a árvore sobre a qual nasceu, acaba transformando-se num novo gigante. Mas como chegou a semente lá em cima? A semente do figuinho só germina depois de passar pelo estômago de um pássaro. Caída ao chão, não germina, falta o tratamento dos ácidos digestivos que eliminam substância inibidora da germinação.
               Teríamos que escrever compêndio de muitos volumes, quiséssemos mostrar apenas parte do fascínio das simbioses, como a da saúva, onde cada espécie tem sua espécie específica de fungo, que cultiva no composto que faz com as folhas que corta.
Até as criaturas que continuamos classificar de pragas ou parasitas têm sua função. A moderna agronomia não estaria trabalhando com enxurradas de venenos se não tivesse esquecido que a “praga” só ataca hospedeiro doente, desequilibrado, desajustado. Atacando somente os indivíduos marginais dentro das populações, os organismos parasitas constituem-se em mais um crivo da Seleção Natural, que esmera constantemente as espécies, faz surgir sempre mais diversidade, sempre mais sinergismo, sempre mais ciclos e epiciclos de reciclagem dos recursos dos quais se serve a Vida.
                E as milhões de espécies de bactérias, cada uma com sua função específica? Sem elas não haveria digestão nem decomposição, nem funcionaria a reciclagem dos nutrientes minerais. Plantas e animais, quando mortos, ficariam como múmias, a obstruir o espaço dos vivos, sobre o solo esgotado, a fome mataria os sobreviventes. As plantas também não teriam acesso ao nitrogênio do ar, indispensável para a síntese das proteínas. Mas, assim como existem bactérias que ajudam as obter nitrogênio, as há que devolvem nitrogênio ao ar, mantendo, assim, um equilíbrio de fluxo estável. Outras bactérias, também no solo, dão à planta acesso ao fósforo e demais nutrientes minerais, especialmente os micronutrientes, indispensáveis à saúde das plantas. O fósforo é indispensável no código genético, aquela genial escrita bioquímica que, em nível molecular, fixa, registra, perpetua e, pelas mutações, enriquece a Sabedoria da Evolução Orgânica e que, em cada indivíduo vivo, desde o óvulo fecundado até a morte, comanda o desenvolvimento e o funcionamento do organismo.
                E todos aqueles seres maiores que, no solo ou sobre ele, preparam o trabalho das bactérias, mastigando, roendo, dilacerando, desmanchando, transportando os restos dos organismos mortos: os fungos, protozoários, colêmbolas, nematóides, platelmintos, insetos – entre eles sociedades altamente estruturadas como as formigas e térmitas – ácaros, aranhas, escorpiões, centopéias e minhocas e mesmo criaturas maiores, como moluscos e até mamíferos, como tatus e topeiras. Sem eles as bactérias passariam muito trabalho, os ciclos vitais seriam muito lentos.
                A vida jamais poderá ser compreendida nos termos que queria Descartes que, nos seres vivos, com exceção dos humanos, via simples máquinas, relógios ou autômatos; robôs, como diríamos hoje. Mas esta visão ainda está bem viva, muito viva, por exemplo, nos laboratórios de toxicologia da indústria química, que submete milhões de criaturas indefesas, macacos, cachorros, gatos, ratos, porquinhos da índia e outros, por ela simplesmente classificados de “cobaias”, a torturas indescritíveis para, em enfoque ridiculamente bitolado, estabelecer, entre outras abstrações indecentes, a “dose diária admissível” dos venenos com que fazem seus grandes negócios. Esta visão, é triste ter que dizê-lo, é comum em muito curso de biologia, e nas modernas fábricas de carne ou ovos, eufemisticamente chamadas de “criação confinada” e “aviários”.
               A Vida também não poderá ser compreendida apenas dentro da visão da moderna Biologia Molecular, com suas abordagens ultra-reducionistas e com seu “dogma central” que postula ser a incrível diversidade de formas e funções, resultado apenas da seleção natural de mutações ao acaso.
Só uma visão sistêmica, unitária, sinfônica poderá nos aproximar de uma compreensão do que é nosso maravilhoso p l a n e t a   v i v o.
               Nunca existiram tantos biólogos como hoje. As “ciências biológicas” – muito significativo este plural – ocupam cada vez mais especialistas. Na indústria co0nhecí excelentes entomólogos que só pesquisavam métodos químicos para matar e mesmo erradicar insetos. Nas estações experimentais agrícolas são comuns aqueles pesquisadores que passam a vida relacionando estatisticamente a reação de certas plantas a determinados tratamentos químicos. Há os que só estudam o efeito de determinados poluentes sobre certos organismos aquáticos.  Quando observo o trabalho dos biólogos moleculares, que se aprofundam sempre mais na dança das macromoléculas dos genes nos cromossomos, sem ligar para o organismo como um todo, me vem a imagem de alguém que, querendo conhecer e compreender os magníficos sistemas ferroviários europeus, por exemplo a Bundesbahn na Alemanha, se limitasse a estudar, com o microscópio, as letras nas tabelas dos grossos manuais de horários dos trens, e que passasse a vida fazendo nada mais que isso.
               Não deixa de ser muito interessante o que toda esta gente descobre e cataloga e, por isso, esses trabalhos são muito importantes, mas, desvinculados da visão do todo, nenhuma orientação ética nos proporcionam. Aliás, é dogma corrente em círculos científicos modernos que a Ciência nada tem a ver com valores, com ética, com política, com religião...
 Sobram biólogos, mas torna-se cada vez mais difícil encontrar naturalistas. Naturalistas como eram Darwin, Haeckel, Humboldt, Julian Huxley; como alguns de meus mestres: Allarich Schulz entre nós, seu irmão Harald; Croizat e Vareschi na Venezuela; o grande Ruschi no Espírito Santo, Sioli na Amazônia e, a hoje mitológica figura, Rambo, quase totalmente esquecida de seus conterrâneos gaúchos, um dos grandes espíritos que esta terra contemplaram e veneraram!
               Esta, a diferença entre biólogo convencional, apenas “científico” e o naturalista.  A  diferença está na      v e n e r a ç ã o!    Para o naturalista, a Natureza não é simples objeto de estudo e manipulação, é muito mais. Ela é algo divino – não temos medo desta palavra – é sagrada, e nós humanos somos apenas parte dela. Daí a atitude do naturalista não poder jamais ser atitude de agressão, dominação, espoliação. O naturalista procura a integração, a harmonia, a preservação, o esmero, a contemplação estética. Ele está no mesmo nível do artista, do compositor, maestro, escultor, pintor, escritor, mas ele trabalha dentro da disciplina científica, em diálogo limpo com a Natureza.
              Quanto mais o naturalista se maravilha diante das incríveis interações e complementações a nível de átomo, molécula, célula, organismo, espécie, população, comunidade e ecossistema, mais ele procura chegar à síntese. Dentro da visão ecológica surgiu, assim, o conceito de Ecosfera, que é o conjunto e a interação de todos os ecossistemas, entre si e com o mundo mineral. O diagrama que segue nos dá uma representação simplificada da Ecosfera:
               A Biosfera, o conjunto dos sistemas vivos, está íntima e inseparavelmente integrada na Litosfera, na Hidrosfera e na Atmosfera. O todo constitui uma unidade funcional, um organismo à parte, um sistema dinâmico integrado, equilibrado, autoregulado.
               É ainda enfoque comum, que a Vida existe neste planeta e nele se mantêm até hoje, já são pelo menos três bilhões e meio de anos desde seus primeiros suspiros nos oceanos primordiais, porque a Terra, entre os planetas de nosso sistema solar, reúne condições muito especiais:
              Tamanho e rotação certa à distância certa de uma estrela de tamanho certo. Daí o âmbito certo de temperaturas, propícias aos processos bioquímicos.
              No Universo predominam temperaturas extremas, desde quase zero absoluto, -273ºC, no espaço intersideral; por volta de 6.000ºC na superfície do Sol; dezenas de milhões de graus em seu centro; centenas de milhões no centro de estrelas maiores e até bilhões e centenas de bilhões de graus nas explosões das novas e supernovas. Mas os processos vitais da química do carbono só funcionam acima do zero centígrado e se estropiam antes de chegar aos 100ºC. Somente algumas espécies de algas cianofícias e algumas bactérias conseguem viver em águas com temperaturas próximas de 70ºC, em fontes térmicas; alguns fungos e actinomicetos ainda vivem bem aos 60º nos compostos dos agricultores e jardineiros orgânicos.
 Por muito pouco a Terra escapou ao destino de Vênus ou ao de Marte, nossos vizinhos mais próximos. De Júpiter e Saturno e além, nem falar. É sabido que em Vênus, a temperatura média de superfície está por volta dos 400ºC. Não há substância orgânica que resista. Os oceanos não resistiram, evaporaram. Já em Mercúrio, mais próximo ao Sol que Vênus, nem a atmosfera resistiu, se foi. Em Marte as temperaturas de meio dia no verão estão próximas dos 40 graus abaixo de zero. O gás carbônico está nas calotas polares que são de gelo seco. Oceanos, nem pensar.
              De fato, a Terra está em condições muito especiais, não somente quanto à temperatura. Se fosse uma bola de gás, como Júpiter, ou bola sem ar nem água, como a Lua, de nada adiantariam temperaturas certas. Fundamental para a Vida é também o confronto dos três estados físicos: sólido, líquido e gasoso. Sem este confronto não haveria reciclagem, como aquela dos ciclos interligados do carbono e oxigênio, não haveria os grandes e pequenos ciclos bio-geo-químicos.
 Para que não se apague, a Vida exige ainda outras condições imprescindíveis: atmosfera de composição certa, salinidade certa dos oceanos, âmbito certo de pH (medida de acidez e alcalinidade). Devem estar presentes também pelo menos uns 25 dos mais de cem elementos da tabela de Medeleyeev.
               Quando a NASA preparava as primeiras naves não tripuladas que desceram em Marte, ela poderia ter economizado o grande custo dos dispositivos automáticos que recolheram e analisaram solo do planeta para verificar se continha alguma forma de microvida, mesmo muito mais simples que as mais simples de nossas bactérias.
 James Lovelock, um dos raros cientistas que hoje consegue sobreviver como consultor autônomo, trabalhava então para a NASA. Ele propôs que bastaria estudar melhor a atmosfera de Marte ou de qualquer outro planeta, referente ao qual houvesse dúvidas quanto à existência de alguma forma de vida. O importante seria verificar se a atmosfera, em sua composição, se encontrasse próxima ou longe do equilíbrio químico. Bastariam observações espectroscópicas. Não foi escutado e não foi encontrada vida. Não podia.
 O que aconteceria com a atual atmosfera da Terra se a Vida desaparecesse? Sua composição parece violentar as leis da química. Sem o reabastecimento da fotossíntese, o oxigênio não duraria mais que uns poucos milhões de anos. Seria consumido na oxidação das rochas e do nitrogênio. Este acabaria nos oceanos, em forma de nitratos. Os mares não mais teriam o pH próximo de neutro, propício à Vida, seriam um caldo corrosivo, altamente ácido. Uma vez que os processo eruptivos estão longe de terem chegado a seu fim, voltaria a elevar-se a concentração de gás carbônico. A Terra acabaria quase tão quente quanto Vênus. Os oceanos? Evaporados! O vapor de água na alta atmosfera seria dissociado pela ação direta dos raios ultravioletas. O hidrogênio se perderia ao espaço interplanetário, o oxigênio liberado oxidaria os restos de nitrogênio. O ácido nítrico exporia mais rocha crua, o oxigênio todo se fixaria em forma de óxidos. Levaria mais tempo que a fixação do oxigênio da primeira fase, mas tempo é o que menos falta à Natureza. Uma atmosfera como a que temos não pode existir num planeta morto. 
                 Portanto, um bom químico, que olhasse a Terra de longe, suficientemente longe para não poder discernir florestas, cidades, estradas,  somente analisando espectrogramas de nossa atmosfera, se  daria logo conta de que aqui acontece algo de extremamente interessante. A atmosfera da Terra está muito longe do equilíbrio químico. Esse não é o caso de Vênus, de Mercúrio, Júpiter, de Saturno e dos demais, que parecem perfeitamente normais, quimicamente. Tremendamente fascinado ficaria este químico!
 Lovelock, em colaboração com Lynn Margulis (+), preocupado com a não aceitação de sua proposta à NASA, e pensando mais profundamente no caso, inverteu o enfoque convencional, segundo o qual a Vida existe na Terra, porque a Terra reúne e mantêm as condições certas. Se a Terra oferece condições adequadas, é porque a Vida assim as mantêm!
 Vejamos o caso da temperatura propícia aos processos vitais. Em algum momento entre quatro e três e meio bilhões de anos atrás, a Terra já estava consolidada, as lavas solidificadas, os oceanos formados, a temperatura estava certa. O Sol era quase três vezes menos quente que hoje, fato estabelecido porque o Sol é uma estrela bem normal da “seqüência geral”, cuja evolução é perfeitamente conhecida e calculável pelo cosmólogos. Se a Terra não era ma bola de gelo, é porque ainda tinha muito calor próprio e porque a atmosfera de então propiciava um forte efeito estufa. Ela estava constituída principalmente de gás carbônico, metano e amoníaco, com restos de hidrogênio. A quase totalidade do hidrogênio da primeira atmosfera já se tinha perdido. Esta atmosfera era de origem eruptiva.  
                  Nesta atmosfera reduzinte começou, e só nela podia começar, a Vida. Se numa atmosfera oxidante, como a atual, surgissem as primeiras substância orgânicas, elas seriam rapidamente destruídas pela oxidação. Só numa atmosfera reduzinte elas podem acumular-se. Baseando-se nas idéias sobre a origem da Vida de Oparin, Miller no laboratório de Urey, em genial experimento demonstrou como, em balão de vidro contendo água com sais minerais e uma atmosfera como aquela, fazendo incidir descargas elétricas, após pouco tempo, apareciam carbohidratos, aminoácidos e até ácidos nucléicos: estas são as peças básicas da química da Vida. Os oceanos devem ter-se transformado num caldo de substâncias orgânicas, cada vez mais rico e sempre mais complicado. Alguns cientistas falam do “consomé primordial”.
A partir do metano e amoníaco da atmosfera, com a energia das descargas elétricas e da radiação, formava-se sempre mais material orgânico. Com isso diminuía o efeito estufa. Ótimo, o Sol estava lentamente ficando mais quente. Era preciso controlar.
Deve ter levado pelo menos um bilhão de anos até que a evolução bioquímica desse origem à primeira célula de complexidade próxima à de uma bactéria. Dali para diante os grandes traços da Evolução Orgânica são conhecidos. Os primeiros organismos só podiam alimentar-se da matéria orgânica existente nos oceanos. A sopa começou a autoconsumir-se. Havia perigo de extinção.  
                  Não demorou, por volta de uns dois e meio bilhões de anos atrás, veio a solução. A fotossíntese permitiu à Vida sintetizar sua própria matéria orgânica, captando diretamente a energia solar. Era uma solução, mas representava um tremendo perigo: a primeira grande crise de poluição! O oxigênio liberado na fotossíntese, para a quase totalidade dos seres então existentes, todos anaeróbios, era veneno mortal. Como seria se hoje aparecesse e proliferasse nos oceanos um organismo que, em processo parecido à fotossíntese liberasse cloro? Seria o fim de todas as formas superiores de vida. A Vida conseguiu superar aquela crise. As formas de vida anaeróbia sobrevivem até hoje, no lodo dos banhados, no fundo da lama dos oceanos e nos intestinos dos animais superiores; são as bactérias metanogênicas, entre outras, tão úteis nos biodigestores de biogás. A poluição virou vantagem. A atmosfera inverteu, de reduzinte para oxidante, tornando possível a maravilha da vida animal, que levou até o cérebro humano e dos delfins.  
(+) Lynn Margulis é a cientista americana que postulou outra síntese fascinante: a teoria que diz que as células dos organismos superiores, chamadas células eucarióticas, são composições simbióticas nas quais duas células simples, procarióticas, sem núcleo, como as bactérias, se juntaram, uma dando o protoplasma, outra o núcleo. Outra maravilhosa complementação.
Mas o Sol continuava ficando mais quente. O efeito estufa do metano e amoníaco já quase desaparecera, sobrava o gás carbônico. Se até hoje temos temperaturas agradáveis – o registro fóssil, pela determinação da relação oxigênio 16 para oxigênio 18, mostra que as médias se mantiveram sempre próximas às atuais – é porque a Vida, mais uma vez, achou solução.  
 Surgiram nos oceanos organismos, como cocolitos e outros microorganismos; corais, moluscos e outros animais maiores que fazem carapaças ou estruturas de carbonato de cálcio e magnésio. Imensas jazidas foram acumuladas. A movimentação tectônica mais tarde ergueu muitas delas. Nas falésias dromáticas das dolomitas, no Tirol, e em milhares de montanhas nos Alpes, Atlas, Andes e demais cordilheiras estão à vista as estratificações. Em algumas delas, de um só golpe de vista, podemos observar milhões de anos de paciente trabalho de deposição. Um dos espetáculos mais fantásticos deste processo é o Grand Cañon. Foram assim retiradas da Atmosfera gigantescas quantidades de gás carbônico. Mas não bastou a fixação deste gás em forma de carbonatos. Outros organismos tiveram que ajudar no trabalho. Surgiram as primeiras grandes florestas, ainda de plantas no nível evolutivo de musgos e samambaias, de licopódios, cicadáceas, palmeiras, e muitas formas hoje já extintas, isto, no Período Carbonífero, uns trezentos milhões de anos atrás. Foram depositadas gigantescas jazidas de carvão mineral e lignito. Em banhados mais recentes cresceram as turfeiras do norte da Europa, Canadá e Sibéria. Na Escócia é fácil observar como ainda hoje crescem.
                     Quanto ao petróleo e o gás natural, feitos por bactérias, parece haver ainda discordância quanto à época em que se formaram, possivelmente isto aconteceu ao longo de todo o processo evolutivo. Parte dele pode ser remanescente do caldo primordial.
Diminuindo sempre a concentração do gás carbônico na Atmosfera e, com isto, o efeito estufa, foi possível manter constante e em nível apropriado, o âmbito de temperaturas, apesar do aumento contínuo do calor do Sol. Não fosse este paciente e coordenado trabalho de bilhões de criaturas através de bilhões de anos, a Terra já seria outra Vênus. Assim como os organismos dos mamíferos e aves têm um mecanismo homeostático (equilíbrio auto-regulado) que mantém a temperatura do corpo independentemente da temperatura externa, assim a Ecosfera tem sua homeostase térmica própria.
                    Só quem esta perspectiva alcança, compreende o atrevimento da Sociedade Industrial Moderna ao considerar o petróleo e gás natural, o carvão, lignito e turfa simples “combustíveis fósseis”.
 Longe desta visão imediatista suicida, com a veneração do verdadeiro naturalista, Margulis e Lovelock, diante do incomensuravelmente grandioso do quadro, concluíram que o conceito de Ecosfera precisava ser ampliado.
                    O novo conceito proposto, que começa a ser aceito pelos grandes ecólogos e que já conquistou a vanguarda do movimento ecologista, é o conceito de   G A I A
A Ecosfera não é um simples sistema homeostático, automático, químico-mecânico. O Planeta Terra é um ser vivo, um ente vivo com identidade própria, o único de sua espécie que conhecemos. Se outras gaias existem no Universo, em nossa ou em outras galáxias, serão todas diferentes. Um ser vivo tão destacado merece nome próprio. O nome GAIA foi proposto por William Golding, escritor, e lançado por Lovelock e Margulis. É o nome que os antigos gregos, em sua cosmovisão bem mais holística que a nossa, davam à deusa da Terra.
                    Tornou-se comum a imagem da Terra como uma nave espacial. É uma figura boa diante da visão convencional, na qual a Terra é apenas substrato ou palco para a Vida, e a Vida, para nós humanos, não passa de recursos. Haja vista nossa atitude diante da Amazônia. Mas a imagem da nave espacial engana. Uma nave tem passageiros. Em GAIA não há passageiros, tudo é e todos somos GAIA. Usando outra imagem, não teria sentido dizer que meu coração ou meu cérebro são passageiros meus.
                     Até a parte mineral, os continentes, as rochas – do ar e da água já não precisamos falar – São parte integrante de GAIA, como o caracol ou a concha o são do molusco. Parece que a deriva dos continentes, causa do vulcanismo e do crescimento de novas montanhas, enquanto as velhas se desgastam, é conseqüência da sedimentação no fundo dos oceanos. Os radiolários e as diatomáceas com suas belíssimas carapaças de sílica, junto com aqueles outros organismos que depositam cálcio, incluindo certas algas marinhas, fazem deposições de quilômetros de espessura no fundo dos mares. Com isto se altera o efeito isolante para o calor do magma e alteram-se e alteram-se as condições de pressão. Surgem aqueles fluxos que movimentam as placas continentais. Esta é a reciclagem que acaba devolvendo aos continentes os nutrientes perdidos aos oceanos, dando-lhes rochas novas. Um ciclo que leva uns duzentos mil anos.
 No organismo da GAIA nós humanos, individualmente, somos apenas células de um de seus tecidos. Um tecido que hoje se apresenta canceroso, mas que, Oxalá, ainda tem cura. Já somos os olhos de GAIA. Com os olhos dos astronautas e nas imagens de satélite, GAIA, pela primeira vez, viu-se a si mesma em toda sua singela beleza – brancos véus lentamente espiralando, ora tapando, ora revelando o azul profundo dos oceanos, o amarelo dos desertos, as diferentes tonalidades de verde; ora confundindo-se com os pólos. 
 Poucos, pouquíssimos, dão-se conta do monumental, não somente em termos de História Humana, mas em termos de História da Vida, que representa aquela primeira foto de GAIA, ou aquela outra de Meia GAIA subindo solitária no firmamento, negro como piche, da Lua!
                     Este é um fato totalmente novo! Um momento decisivo na vida de GAIA. Uma situação faustiana. O Homem, conhecendo demais, talvez cedo demais, cego de orgulho e com gula incontrolável, desencadeou um processo de demolição que supera todas as crises anteriores.
 Como vimos no início, ao apontar a hoje baixa concentração de gás carbônico na atmosfera, a Sociedade Industrial já está interferindo significativamente, contrariando as tendências de GAIA, em um de seus importantes sistemas de controle. A concentração antes do alastramento da industrialização estava próxima de 0,025%. Já conseguimos aumenta-la uns 30%, em menos de 200 anos, uma fração de segundos na escala de tempo da vida de GAIA. Talvez a razão porque ainda não estamos sentindo conseqüências muito graves seja só porque, também cegamente, estamos concomitantemente interferindo em outros mecanismos de controle que têm efeito contrário. Estamos aumentando a concentração dos aerossóis e das poeiras no ar que, refletindo radiação solar, devolvem energia ao espaço.
                     Aliás, nesta questão do controle térmico pela diminuição do gás carbônico, GAIA já estava chegando a um limite. Já não pode baixar muito mais esta concentração. Por duas razões muito simples: Se baixar muito mais, as plantas acabarão morrendo à míngua. Para elas o CO2 é o nutriente principal. Só não é mencionado nos manuais de adubação dos agrônomos porque está gratuito no ar e ainda não dá para fazer negócio com ele. A outra razão é que, em termos de diminuição de efeito estufa já não dá para ganhar quase nada, com a concentração baixa como está. Talvez seja esta a causa da crise climática do Pleistoceno. Neste último período geológico, durante os últimos três milhões de anos, menos de um dia na vida de GAIA, tivemos as quatro grandes eras glaciais. Quando um sistema homeostático bem equilibrado começa a se desequilibrar, antes de entrar em colapso ou reequilibrar-se, é comum aparecerem vibrações irregulares, com exageros para ambos lados. Algo deste tipo pode ter acontecido no Pleistoceno.
 Entretanto, após o fim da última grande glaciação, parece que GAIA já tinha encontrado nova solução. De lá para cá, um período muito curto, uns 15.000 anos apenas, minutos na cronologia de GAIA, alastraram-se as florestas tropicais úmidas no que hoje chamamos Amazônia, Congo, Índia, Sri Lança, Bangladesh, Indochina, Indonésia, Oceania, Austrália. Da água da chuva que sobre elas cai, em menos de dois dias até 75% é devolvida à atmosfera, formando novas nuvens que voltam a produzir chuva mais adiante. Como mostrou Salati, as chuvas que casem nas fraldas orientais dos Andes estão constituídas de água que, em seu caminho desde as primeiras nuvens dos ventos alísios na costa Atlântica, caiu e voltou às nuvens entre cinco e sete vezes. As florestas tropicais úmidas estão sobre o Equador, sua influência climática se exerce sobre ambos os hemisférios, fato este hoje lindamente ilustrado, como num filme, nas imagens móveis de satélite nos institutos meteorológicos. Ora, estas grandes florestas, para o clima global, São gigantescos aparelhos de ar condicionado. Convém lembrar que as comunidades florísticas e os ecossistemas das atuais florestas tropicais úmidas, são muito antigos, evoluíram nos últimos duzentos milhões de anos, o que é novo é sua presente extensão.
                     Mais uma vez, o homem moderno está contrariando os desígnios de GAIA. Em toda a parte estão sendo demolidas as florestas tropicais úmidas, num ritmo que alcanças cem mil quilômetros quadrados por ano. No caso da Amazônia, se for devastado o Estado do Pará, coisa que parece certa até logo após o ano 2000, poderá, quem sabe, ser desencadeado um processo de colapso da grande floresta, pois ela faz seu próprio clima. Onde  a floresta desaparece e é substituída por solo nu ou capoeira rala, no lugar da evapotranspiração, o solo torrado produz ventos ascendentes quentes. As nuvens se dissolvem, deixa de cair chuva mais adiante. Mas a Hiléia só pode sobreviver com chuvas copiosas.
 Sobrarão recursos para GAIA? Ou vamos incapacita-la? Desde 1975 o clima anda meio caótico no Mundo inteiro. Será mau augúrio?
 Por enquanto a intenção expressa da Sociedade de Consumo é continuar demolindo. A ordem é “desenvolvimento” a qualquer custo, quer dizer, tudo o que GAIA fez, será substituído por algo feito pelo Homem, em enfoque imediatista, sem levar em conta os sistemas de controle de GAIA.
                     Vejamos um raciocínio muito usado por aqueles que querem enriquecer na devastação da Amazônia. Atribuem aos defensores da floresta a afirmação – metafórica – “a Amazônia é o pulmão do Mundo”. Interpretam-na como sinônimo de fábrica de oxigênio. Desde quando pulmão produz oxigênio? Pulmão consome oxigênio. Citam então, corretamente, ecólogos que mostram que a grande floresta consome exatamente a mesma quantidade de oxigênio que produz. Portanto, segundo eles, não há problema, não vamos morrer asfixiados se a Hiléia ficar reduzida a alguns pontinhos no mapa, que serão então chamados de “reservas ecológicas” ou “bancos genéticos”.
                     Mas se a Amazônia ou qualquer outro ecossistema em equilíbrio produzissem muito mais, ou muito menos oxigênio que consomem, GAIA já teria morrido. GAIA, por uma razão muito importante, desde que inverteu a Atmosfera de reduzinte para oxidante, soube manter sempre a concentração de oxigênio por volta dos 20%. Concentrações mais baixas tornariam difícil a vida animal. Uma vez que tudo está ligado com tudo, todas as formas de vida sofreriam. Por outro lado, concentrações superiores seriam ainda mais perigosas. Facilmente levariam a um holocausto. Já em 25% até folhas verdes, mesmo molhadas, queimariam como papel. Qualquer raio acabaria com toda uma Amazônia. É por isso que no avião, quando baixam as máscaras de oxigênio, fica terminantemente proibido fumar. Concentração muito alta de oxigênio poderia, talvez, até levar a um incêndio da própria Atmosfera. Quando os físicos de Los Alamos dispararam a primeira bomba nuclear, sabendo que as temperaturas alcançariam milhões de graus, tinham um medo louco, justamente disto. Assim mesmo, bons aprendizes de feiticeiro que eram, não se contiveram. Felizmente nada aconteceu.
                     O equilíbrio aproximado entre produção e consumo de oxigênio, sozinho, não seria suficiente. Sempre há os ecossistemas em fase inicial de sucessão ecológica que podem produzir muito mais oxigênio que o que consomem. Os grandes incêndios, por outro lado, nada produzem, só consomem. Inevitáveis seriam flutuações que poderiam tornar-se perigosas.
 Mas GAIA, com timoneiros precisamente ajustados controla os grandes e pequenos ciclos bio-geo-químicos. Recém estamos descobrindo estes sistemas. No caso do ciclo de oxigênio está envolvido o metano, hoje gás raro na Atmosfera e que é produzido por aqueles organismos que conseguiram sobreviver à inversão da atmosfera, retirando-se para os lodos anaeróbicos e para os intestinos dos animais. O Homem já se encarrega de dar um jeito nisso também. São poucos os banhados no Planeta que não estão ameaçados de “saneamento”.
                      Muito poderia ser dito sobre os demais gases menores, como o ozônio, os óxidos de nitrogênio, de enxofre, do amoníaco, do monóxido de carbono e dos compostos de metila, cada um com sua função definida. Alguns destes ciclos, todos acionados por seres  vivos, especialmente microorganismos no mar, ou por determinadas algas marinhas nas plataformas continentais, têm a  ver com outro importante equilíbrio vital – a manutenção da salinidade dos mares em aproximadamente 3%. A origem dos sais no Oceano é a meteorização das rochas. Os óxidos insolúveis acabam formando solo ou, quando são levados pela erosão, vão formar sedimento no fundo do mar, mas os sais solúveis – quando não retirados nos processos vitais – são todos levados ao mar, onde ficam em solução, especialmente o cloreto de sódio. Mas a evaporação na superfície dos mares que faz as nuvens, só leì
alvos, intenção no Comportamento do Universo, que postula apenas acaso no surgimento da Sinfonia da Evolução Orgânica, este processo caprichoso que deu origem a milhões de espécies – nós entre elas – de animais, plantas, fungos, protozoários, bactérias, fagos e vírus, em interação multifacetada unitária, uma integração sinergística que nossas melhores cabeças cibernéticas com suas baterias de computadores jamais poderiam ter concebido e cuja beleza a Ecologia apenas vislumbra?
                      Por isso, não pode ser verdade aquela idéia fundamental atribuída a Darwin de que na Seleção Natural vence sempre o mais forte, sucumbindo os mais fracos – idéia que muito agrada àqueles que tem ambição de poder, de controle, de dominação. Quanto mais nos aprofundamos na Ecologia, mais nos damos conta que sobrevive o mais ajustado, o que mais harmoniza, que mais ressonância tem com a Sinfonia, entre eles criaturas tão delicadas, tão frágeis e vulneráveis como a orquídea e o beija-flor, a sarracênia e a perereca.
                       A integração é menos anterior ao nascimento do Sistema Solar que já nasceu um bilhão de anos antes do nascimento de GAIA. Não tivesse o Sol com sua corte de planetas, luas, asteróides e cometas, ao condensar-se de nuvens de gases intersiderais, captado também certa porção de cinzas da explosão de alguma supernova que ocorreu centenas de milhões ou alguns bilhões de anos antes – o Universo tem idade para isto – não teríamos aqui todos os elementos que formam montanhas, mares e ar e dos quais a Vida não pode prescindir, os planetas seriam simples bolas de gás, principalmente hidrogênio e hélio.
                      Será mesmo acaso tudo isto? Que divino acaso!
                      Mas o que vamos fazer primeiro: desvendar esta Maravilha, ou vamos continuar como um câncer no organismo de GAIA, devastando, fazendo extinções em massa, toxificando até que não haja volta?
                      Quando daquela ameaça  mortal que foi a crise da poluição de oxigênio, que quase extinguiu as formas de vida então existentes, GAIA, em vez de sucumbir soube tirar proveito. Transformou um inimigo feroz em poderoso aliado, fator de mais vida, de vida mais complexa, mais perfeita, mais diversificada, mais harmônica – uma estonteante transcendência!
                     Estaremos, quem sabe, dois e meio bilhões de anos mais tarde – o tempo necessário para que evoluísse uma das coisas mais complicadas que GAIA até agora produziu: o cérebro humano – diante de uma nova transcendência?
                     Neste momento, nosso comportamento canceroso, representa um perigo mortal para GAIA. Mas isto não é inevitável. Se soubermos usar sabiamente o potencial intelectual que ela nos propiciou, assim como a fabulosa tecnologia que daí surgiu, poderemos até mesmo assumir o controle consciente de GAIA. Sistema nervoso autônomo, GAIA já tem, seríamos a massa cinzenta do cérebro de GAIA. A moderna eletrônica, com seus computadores sempre mais perspicazes, comunicação global instantânea por satélite, já começa a estruturar algo que quase poderia tornar-se um meta-sistema-nervoso planetário. Mas o conteúdo deste fluxo nervoso terá que mudar. Se conseguirmos esquecer nossas querelas, acabar com a prostituição da Ciência para a demolição da Vida e para os delírios da corrida armamentista e da “guerra nas estrelas”, se conseguirmos colocar nosso gênio em ressonância com GAIA, só o futuro poderá dizer das alturas alcançáveis.
                     Entretanto, a continuar a cacofonia atual, o desastre será total. Para nós! Talvez nem tanto para GAIA. GAIA tem muitos recursos, tem muito tempo. Com novas formas de vida encontrará saída. Sobram-lhe ainda uns cinco bilhões de anos até que o Sol, em sua penúltima fase evolutiva, ao tornar-se “gigante vermelho”, venha expandir-se até aqui, antes de apagar-se lentamente. GAIA será recirculada nos gases incandescentes do Sol, assim como cada um de nós seremos recirculados no solo.
                    E as conseqüências éticas, filosóficas, religiosas de tudo isto?
 Pena que as Igrejas não atinam. O Índio atinava!