Bebê lê lábios e percebe língua estrangeira.

Crianças de quatro meses não precisam de som para diferenciar inglês de francês.
Capacidade desaparece gradualmente, menos com nenês de famílias bilíngües.
Se houvesse um prêmio pelo experimento mais fofinho da história da ciência, a canadense Whitney Weikum e seus colegas já teriam ganhado o primeiro lugar de lavada. Eles usaram trechos do clássico infantil "O Pequeno Príncipe" e bexigas coloridas para demonstrar que bebês de apenas quatro meses conseguem diferenciar sua língua materna de uma língua estrangeira - sem precisar ouvi-la, simplesmente "lendo os lábios" de quem falava. 

O trabalho é uma demonstração poderosa de como os seres humanos possuem um "instinto da linguagem" - uma capacidade inata de absorver idiomas que precisa de pouquíssimo estímulo para se desenvolver. E, ao mesmo tempo, revela que essa capacidade é flexível e sujeita aos padrões ambientais nos quais a pessoa cresce.  

Isso porque, curiosamente, a capacidade de fazer "leitura labial" encolhe conforme o bebê vai ficando mais velho - aos oito meses de idade, ele já não reconhece mais o idioma estrangeiro sem a ajuda do som. Menos entre crianças de famílias naturalmente bilíngües: nesse caso, os pequenos continuam lendo lábios tão bem quanto antes. 

"Nosso estudo mostra como o desenvolvimento de um bebê tem uma relação estreita com seu ambiente de aprendizado. Se eles são expostos a mais de uma língua, acabam mantendo a capacidade de distingui-las visualmente. Entretanto, se só são expostos a um idioma, essa capacidade decai", afirmou ao G1 Whitney Weikum, que faz seu doutorado em neurociência na Universidade da Colúmbia Britânica (sudoeste do Canadá).  

 Olha quem está vendo

Como obviamente não dava para perguntar a bebezinhos de quatro meses se eles estavam reconhecendo a língua esquisita, Weikum e seus colegas bolaram um jeito indireto de detectar isso. No experimento, as crianças eram induzidas a ficar quietinhas no colo da mamãe e olhar para uma tela com a ajuda dos balões coloridos, que chamavam sua atenção. 

Depois, os pesquisadores passavam clipes de uma moça lendo trechos de "O Pequeno Príncipe" em inglês ou francês, dependendo da língua materna da criança. "Fizemos os bebês ficarem entediados com os clipes na sua própria língua, passando-os vezes e vezes seguidas. Quando eles estavam cansados daquilo e paravam de olhar para a tela, mostrávamos o clipe na outra língua", conta a pesquisadora. 

A idéia é que, se os pequenos notassem algo novo e interessante na tela, voltariam a olhar para ela por mais tempo. E foi exatamente o que aconteceu quando o idioma era trocado. Como o resultado se repetiu de forma consistente em 36 bebezinhos, tudo indica que não se trata de um efeito meramente aleatório. 

Resta saber se o prazo de seis a oito meses de idade é realmente a "janela de aprendizado" para isso, de forma que após essa idade os bebês perdem a capacidade de ler lábios. "Temos dúvidas a esse respeito", afirma a pesquisadora. "Os adultos também conseguem diferenciar as línguas pelos lábios se conhecem uma delas, e se saem melhor se conhecem as duas. Pode ser que exista apenas uma sensibilidade diminuída nos bebês monolíngües de oito anos, que aparece depois nos testes em adultos." 

Também é difícil saber se essa capacidade pode ser aproveitada, por exemplo, para ensinar bebês com deficiência auditiva a entender o que os pais dizem. "Não sabemos quão próxima é a relação entre a informação visual e a auditiva. Fica difícil dizer se bebês com surdez experimentariam o mesmo efeito sem a ajuda da informação auditiva."