Por que não estamos sós.
Os astrobiólogos estão cada vez mais convencidos de que a vida pode existir em outros mundos. Mas ainda falta encontrar o primeiro ET.
Estado do Colorado, EUA, 1975. Um homem de meia- idade entra em uma loja de animais e faz um pedido inusitado: "Gostaria de alugar, por algumas horas, uma cobra, um camaleão e duas tartarugas". Surpreso, o atendente do petshop não ousa perguntar - de acordo com o que se sabe da história - a primeira coisa que vem à cabeça de qualquer mortal ao ouvir um pedido como esse: "Para quê?!". Se tivesse feito a questão, ficaria ainda mais confuso. Pois ouviria da boca do cientista mais popular do mundo uma resposta mais insólita ainda: "Para procurar ETs".
Segundo a Nasa, os pontos em destaque correspondem a sistemas solares mais propícios a abrigar vida em todo o Universo |
O homem era ninguém menos que o astrônomo Carl Sagan (1934-1996), autor da série de TV "Cosmos", uma verdadeira celebridade da ciência. Logo que conseguiu os animais, Sagan seguiu dirigindo até o parque nacional de Great Sand Dunes para usá-los em um teste com a sonda Viking. A sofisticadíssima engenhoca interestelar da Nasa custara cerca de US$ 500 milhões e estava prestes a ser enviada a Marte. Sagan queria se certificar pessoalmente de que as câmeras fotográficas de US$ 27 milhões - embutidas na sonda graças ao seu lobby pessoal - poderiam captar os passos de animais marcianos que ele acreditava existir. E que, afirmava, "poderiam ser tão grandes quanto ursos polares".
Apesar de passar na prova em Great Sand Dunes, a sonda Viking não conseguiu detectar nem uma formiga no solo do planeta vermelho. Graças a ela, sabemos hoje que a superfície marciana não abriga animais nem, aparentemente, qualquer tipo de vida. Mas a frustração com os resultados da Viking não fez os cientistas desanimarem. Os avanços da última década nas pesquisas astronômica e biológica têm feito florescer novamente o campo da astrobiologia, a ciência da busca por vida em outros mundos. Quanto mais aprendemos sobre a galáxia, o Sistema Solar e nosso próprio planeta, mais razões surgem para acreditar que não estamos sozinhos no Universo. É fato que a atual geração de pesquisadores fala sobre a possibilidade de vida apenas em escala microscópica. Mas mesmo a detecção de uma pequena colônia de micróbios vivendo em Marte ou nos arredores de Júpiter deixaria a comunidade científica em frenesi.
Hoje há muita gente competente trabalhando para chegar a uma resposta para a questão fundamental da astrobiologia: "Estamos ou não sozinhos na imensidão do Cosmos?" No meio do batalhão de cientistas empenhados em encontrar nossos vizinhos no Universo, há duas agências espaciais que se destacam: a norte-americana Nasa, principal centro de excelência mundial, e a européia ESA, que reúne os cérebros dos maiores especialistas de 17 países do continente europeu. Os americanos levam vantagem, pois largaram 17 anos na frente da ESA, que foi inaugurada apenas em 1975.
A PRIMA DA TERRA Semelhanças físicas entre Titã e a Terra tornam a maior lua de Saturno um possível berço de ETs |
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1. Ventania Gasosa - Em Titã, as nuvens são compostas de metano e etano. Elas formam uma camada de 200 km de espessura que gira a uma velocidade de 400 km/h 2. Dunas na Lua - As fotos mostram a existência de estruturas semelhantes a dunas formadas pelos ventos, além de canais, bacias e praias. A pressão atmosférica equivale a 1,5 a da Terra 3. Água com gás - O etano e o metano conseguem alcançar o estado líquido, apesar da temperatura ambiente beirar - 160 oC. Os compostos desempenham em Titã um papel análogo ao da água na Terra, formando chuvas, rios e lagos. As precipitações parecem ser raras 4. Vulcões de Gelo - A existência de montanhas no relevo de Titã sugere a presença de vulcões ativos. Um deles, com 30 km de diâmetro, já foi detectado. De seu interior, em vez de lava fervente, há gelo |
COMPARAÇÃO ATMOSFÉRICA |
A atmosfera de Titã tem estrutura semelhante à terrestre, mas é cinco vezes mais densa. Também possui efeito estufa, embora lá os principais gases causadores sejam o metano e o hidrogênio. Apresenta argônio em quantidade expressiva, cujas origens, como na Terra, devem estar na presença de elementos radioativos no subsolo |
Como procurar?
Para explicar a quantas anda o projeto humano de caça aos ETs, escolhemos o homem em quem a maior agência espacial do mundo aposta todas as fichas. O biólogo John Rummel, líder da pesquisa sobre existência de vida alienígena da Nasa, é tão estimado pela agência americana que chega a ser descrito como "responsável pela proteção planetária" contra a contaminação da Terra por eventuais ETs. "São três as linhas de investigação que têm deixado os astrobiólogos cada vez mais animados", afirma Rummel sobre a corrida em busca dos aliens. "Uma é a descoberta de existência de água em planetas e luas do nosso Sistema Solar. Outra é o estudo de mundos situados ao redor de outros sistemas. E a terceira é a pesquisa dos extremófilos, as formas de vida que habitam os ambientes mais difíceis de nosso planeta." São exatamente essas três estratégias de caça a ETs que você terá a oportunidade de conhecer melhor nestas páginas. Mas, antes de começar a jornada, é necessário fazer uma pergunta fundamental: o que são ETs? Fácil: formas de vida alienígena. Mas leia de novo essa última frase. Há na sentença uma palavra que designa um fenômeno essencial, que na realidade é muito mais complexo do que aparenta ser. Antes, é preciso definir o que é vida.
Um simples fluxo de energia, matéria e informação? A habilidade de se comunicar com o mundo? Um sistema químico auto-suficiente, capaz de passar por uma evolução darwiniana? Ou uma simples propriedade que surge espontaneamente ao juntar um punhado de moléculas complexas? Ninguém sabe. A verdade é que a biologia ainda não gerou uma definição inequívoca de o que é um ser vivo. E os cientistas ainda não estão nem perto de chegar a um consenso sobre o conceito de vida.
As "leis da vida"
Europa - Um dos maiores satélites de Júpiter. Possui, debaixo de uma superfície coberta de gelo, um mar que contém mais água do que todos os oceanos da Terra somados |
A lição que os últimos cem anos de pesquisa nos ensinaram é que, mesmo nos organismos mais simples, feitos de uma só célula, acontecem milhares de reações químicas ligadas à vida. E ao conjunto de tudo o que se sabe sobre essas reações dá-se o nome de bioquímica, ramo da biologia desenvolvido a partir da metade do século 19. Algumas características bioquímicas essenciais, verdadeiras "leis da vida", foram encontradas em todos os seres que habitam o nosso planeta. Por isso, os astrobiólogos acreditam que possam ser comuns não só às criaturas terrenas, mas a qualquer forma de vida existente no Universo.
Duas dessas "leis" merecem especial atenção. A primeira é o fato de os seres vivos que conhecemos serem feitos de compostos de carbono arrumados em pequenos "tijolos", chamados de aminoácidos. A segunda característica é o papel igualmente fundamental da água líquida no metabolismo dos seres vivos. A água atua no transporte de moléculas entre as diferentes partes da célula e participa da ocorrência das reações químicas necessárias à vida. Até mesmo no mais seco dos desertos os microorganismos estão captando moléculas de H2O depositadas nas pedras. É por isso que a descoberta de qualquer sinal de água líquida em um simples meteorito causa tanta comoção no meio científico, pois a presença de água é um prognóstico muito favorável para os caçadores de ETs. É a chamada abordagem "siga a água", que é tida como a estratégia mais promissora de caça aos aliens. E que começou a ser adotada, com mais tecnologia, a partir dos anos 1990.
SELEÇÃO NATURAL PLANETÁRIA Seis pontos que definem os planetas mais aptos a abrigar vida | ||||||||||||||||||
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1. Tipo de sistema solar - A maior parte dos sistemas é composta por duas ou mais estrelas. Naqueles que possuem apenas uma, como o nosso, os planetas podem sofrer menos influências gravitacionais e preservar órbitas em regiões favoráveis à vida
Em 1996, após 20 anos de ausência no planeta vermelho, a Nasa lançou a sonda Mars Global Surveyor, destinada a estudar a geologia marciana. Depois se seguiram outras missões, como a Pathfinder (1997), a Mars Odissey (2001) e a Mars Exploration Rover (2003), que levou ao planeta vermelho dois robôs controlados por controle remoto. Além de confirmarem a existência de gelo nos pólos marcianos, essas missões encontraram claros sinais de que Marte já teve água líquida em quantidade suficiente para formar canais, lagos e outras estruturas geológicas. E, em dezembro de 2006, uma foto da Mars Global Surveyor revelou indícios de que existiria água líquida até hoje no planeta. A ação conjunta desse pequeno exército de sondas desbravadoras mostra que Marte realmente já teve condições de abrigar vida no passado. Ou até mesmo, quem sabe, possa ser a morada de minúsculos ETs neste exato momento (veja quadro "Oásis de ET?"). Mas Marte foi apenas a primeira escala dos caçadores de vida extraterrestre. Em 1997, a jornada espacial pela água já havia alcançado vizinhanças mais longínquas do Sistema Solar. Naquele ano, a sonda norte-americana Galileo sobrevoou Europa - uma das 63 luas de Júpiter - e revelou o que parecia ser um oceano subterrâneo maior do que todos os oceanos da Terra reunidos, escondido sob a superfície congelada do satélite. "Isso é algo que nunca imaginávamos ser possível, pois a distância entre Europa e o Sol é muito grande", diz Rummel. A luz de Titã Apesar de ainda não termos descoberto a localização exata das moradas de aliens (isso se elas existirem), de 2005 em diante uma pequena luz começou a cintilar em meio ao breu de ignorância científica que assola a astrobiologia. Agora é Titã - mais uma das luas de Saturno - que vem deixando os cientistas de respiração presa. "Titã é, em muitos aspectos, semelhante à Terra primitiva", diz o francês François Raulin, astrobiólogo da ESA. A missão Huygens, em que Raulin trabalha, lançou aos céus a sonda Cassini e colocou no solo de Titã uma sonda de 1,3 m de altura. Graças aos dados combinados das duas sondas, os astrônomos têm hoje um quadro detalhado de Titã, desde a atmosfera até o subsolo. O resultado é uma paisagem que lembra bastante o nosso planeta (veja quadro "A prima da Terra"). Mas, na realidade, Titã está mais para prima que para irmã da Terra, pois há diferenças significativas entre as duas. A temperatura ambiente de Titã fica por volta dos -180 0C. Os rios, mares e até as chuvas de lá são feitos de compostos orgânicos, principalmente metano e etano. Embora a água também esteja presente em Titã, lá ela está escondida sob a superfície e na forma de gelo. Alguns estudiosos acreditam que exista água líquida escondida sob o gelo, mas isso ainda não foi confirmado pelos instrumentos da Cassini.
Fórmula básica
Se a água for detectada, Titã será a bola da vez dos astrobiólogos e alcançará o posto de mais provável criadouro de vida alienígena do Sistema Solar. Raulin explica por quê: "Ao combinarmos água e compostos orgânicos semelhantes ao que encontramos em Titã, obtivemos aminoácidos no laboratório", afirma. A fórmula básica para criar vida é bem conhecida: água, compostos de carbono e energia. Em Titã, há tudo isso de sobra. A única coisa que falta para a lua de Saturno se transformar na meca dos astrobiólogos é a detecção de água líquida. "A missão deverá durar ainda quatro ou cinco anos. É possível que essa confirmação apareça em um futuro próximo", diz Raulin. Enquanto a missão Huygens não termina, os cientistas se ocupam com uma tarefa ambiciosa: vasculhar o Universo inteiro em busca de corpos celestes completamente desconhecidos pela ciência há bem pouco tempo. Os planetas extra-solares, isto é, que orbitam outras estrelas, são os mais novos habitantes da fauna interestelar. Eles foram descobertos em meados dos anos 1990, mas já deu tempo de os astrônomos encontrarem centenas deles. "Atualmente conhecemos mais de 200, e este número cresce quase que mensalmente", afirma o astrônomo Eduardo Janot, da USP. É quase certo que os parentes distantes da Terra marcarão presença nos futuros livros de história. "A descoberta dos planetas extra-solares é uma segunda revolução copernicana. Ela deixa para trás definitivamente a idéia de que somos especiais", avalia Rummel. A nova onda inaugurou uma verdadeira temporada de caça aos planetas no meio científico. Em dezembro passado, a ESA colocou em órbita o telescópio espacial Corot, o primeiro especialmente desenvolvido para encontrar planetas com características favoráveis à vida. O projeto conta com participação brasileira, coordenada pelo próprio Janot. A Nasa também tem seu projeto de telescópio espacial para descobrir mundos semelhantes ao nosso. Batizado de Terrestrial Planet Finder (Buscador de Planetas Terrestres), o projeto compreende dois satélites, que serão capazes de detectar planetas do tamanho da Terra e analisar variáves como temperatura, distância da estrela e tamanho. O lançamento está previsto para o início da próxima década. Mas tudo depende da contabilidade da Nasa nos próximos anos. Com os cortes que vêm ocorrendo no orçamento da agência, boa parte da comunidade astronômica duvida que os satélites sejam efetivamente construídos e lançados algum dia. Mas existe um problema ainda não solucionado sobre a caça de ETs fora do nosso Sistema Solar: como saber por quais sinais de vida procurar, se nunca vimos um alien? Eduardo Janot sugere uma estratégia para tentar responder à questão: ter como ponto de partida tudo o que já sabemos sobre os planetas de nosso sistema e sobre a vida terrestre.
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Examinando a fauna planetária do Sistema Solar, percebemos a existência de duas espécies de planetas: os rochosos e os gigantes gasosos. Os rochosos são Mercúrio, Vênus, Terra e Marte. Eles têm a superfície firme e propícia ao desenvolvimento da vida como a conhecemos aqui na Terra. Os demais - vale lembrar que Plutão não é mais classificado como um planeta junto aos outros - são gasosos. Por serem muito maiores que os rochosos, os gigantes gasosos extra-solares são bem mais fáceis de serem detectados - um deles, próximo à estrela GQ Lup, tem a massa de 6 mil Terras! Todos os que foram encontrados até agora fazem parte da família dos gigantes, que são menos propícios ao surgimento da vida devido à superfície gasosa. Encontrar os minúsculos planetas rochosos nos quais é possível ocorrer a química da vida é o principal desafio do telescópio espacial Corot, da ESA.
Estranhos vizinhos
Olhando com mais atenção para a nossa casa, a Terra, nos damos conta de mais características básicas para o surgimento e a manutenção da vida. Para que a água permaneça em estado líquido, o planeta deve estar distante o suficiente de sua estrela a ponto de a temperatura na superfície ficar dentro da zona de habitabilidade, região onde se encontram temperaturas entre 0 0C a 100 oC. Outros são a existência da atmosfera e a configuração do sistema em que o planeta está (veja quadro "Seleção natural planetária"). "Das duas centenas de extra-solares que descobrimos até agora, nenhum parece ser capaz de abrigar seres vivos", diz Janot. Mas talvez não seja necessário ir tão longe para contatar nossos companheiros de Cosmos. Se procurarmos direito, podemos encontrá-los logo aí ao lado, em um certo planeta vermelho. O mesmo que a Viking, a sonda xodó de Carl Sagan, visitou um dia.
Estamos falando, claro, de criaturas bem mais modestas que os ursos polares marcianos, habitantes da mente fértil de Sagan. Seres como esses não conseguiriam escapar ao "pente fino" biológico da Viking. Mas é possível que algumas criaturas, semelhantes às que habitam os lugares mais ingratos do nosso planeta (veja quadro abaixo), tenham escapado ao exame da Viking por causa de um erro experimental. "Hoje está claro que as amostras coletadas pela sonda deveriam ter sido aquecidas a temperaturas muito mais altas antes de realizar os experimentos para compensar a ação dos raios ultravioleta e a extrema reatividade do solo", afirma John Rummel. Ou seja, para a atual geração de astrobiólogos, a Viking não provou que o planeta vermelho é totalmente desabitado. Rummel aposta que a sonda Phoenix, que a Nasa lançará no segundo semestre deste ano, será capaz de encontrar respostas mais sólidas. "A Phoenix vai levar um robô que fará escavações a um metro de profundidade, onde se está ao abrigo dos raios ultravioleta", diz Rummel. "Muitos de nós achamos que encontraremos matéria orgânica em Marte se procurarmos abaixo da superfície", concorda François Raulin. Ele diz que a ESA também prepara sua própria missão-britadeira para cavocar o subsolo marciano. Chamada de Esomars, ela tem previsão para lançamento em 2009. Será que, até lá, os americanos já terão encontrado sinais de vida marciana?
5 CASCAS GROSSAS Extremófilos encaram a sobrevivência nas condições mais adversas do planeta. E podem ajudar os cientistas a compreender os ETs | ||||||
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1. Alvinella pompejana Há quem pense que isso já aconteceu. Em 2005, a sonda Mars Express fez medições da presença de metano na rarefeita atmosfera marciana, com resultados positivos. Como a produção de metano na Terra está ligada, entre outras coisas, à atividade metabólica dos seres vivos, há quem defenda ser este o sinal de que os micróbios marcianos estejam a todo vapor. "Há formas de produzir o metano que não envolvem seres vivos", afirma Natalie Cabrol, cientista colaboradora da Nasa no programa dos rovers em Marte. "Mas aqui na Terra, nos lugares onde esses processos ocorrem, encontramos também a presença de extremófilos. Pode ser que algo semelhante ocorra em Marte. Os lugares onde o metano é produzido seriam uma espécie de oásis onde os microorganismos poderiam subsistir", diz.
Por que acreditar
Pablo Nogueira - Galileu- Astronomia
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