Por que não estamos sós.

Os astrobiólogos estão cada vez mais convencidos de que a vida pode existir em outros mundos. Mas ainda falta encontrar o primeiro ET.

Estado do Colorado, EUA, 1975. Um homem de meia- idade entra em uma loja de animais e faz um pedido inusitado: "Gostaria de alugar, por algumas horas, uma cobra, um camaleão e duas tartarugas". Surpreso, o atendente do petshop não ousa perguntar - de acordo com o que se sabe da história - a primeira coisa que vem à cabeça de qualquer mortal ao ouvir um pedido como esse: "Para quê?!". Se tivesse feito a questão, ficaria ainda mais confuso. Pois ouviria da boca do cientista mais popular do mundo uma resposta mais insólita ainda: "Para procurar ETs".

Segundo a Nasa, os pontos em destaque correspondem a sistemas solares mais propícios a abrigar vida em todo o Universo

O homem era ninguém menos que o astrônomo Carl Sagan (1934-1996), autor da série de TV "Cosmos", uma verdadeira celebridade da ciência. Logo que conseguiu os animais, Sagan seguiu dirigindo até o parque nacional de Great Sand Dunes para usá-los em um teste com a sonda Viking. A sofisticadíssima engenhoca interestelar da Nasa custara cerca de US$ 500 milhões e estava prestes a ser enviada a Marte. Sagan queria se certificar pessoalmente de que as câmeras fotográficas de US$ 27 milhões - embutidas na sonda graças ao seu lobby pessoal - poderiam captar os passos de animais marcianos que ele acreditava existir. E que, afirmava, "poderiam ser tão grandes quanto ursos polares".

Apesar de passar na prova em Great Sand Dunes, a sonda Viking não conseguiu detectar nem uma formiga no solo do planeta vermelho. Graças a ela, sabemos hoje que a superfície marciana não abriga animais nem, aparentemente, qualquer tipo de vida. Mas a frustração com os resultados da Viking não fez os cientistas desanimarem. Os avanços da última década nas pesquisas astronômica e biológica têm feito florescer novamente o campo da astrobiologia, a ciência da busca por vida em outros mundos. Quanto mais aprendemos sobre a galáxia, o Sistema Solar e nosso próprio planeta, mais razões surgem para acreditar que não estamos sozinhos no Universo. É fato que a atual geração de pesquisadores fala sobre a possibilidade de vida apenas em escala microscópica. Mas mesmo a detecção de uma pequena colônia de micróbios vivendo em Marte ou nos arredores de Júpiter deixaria a comunidade científica em frenesi.

Hoje há muita gente competente trabalhando para chegar a uma resposta para a questão fundamental da astrobiologia: "Estamos ou não sozinhos na imensidão do Cosmos?" No meio do batalhão de cientistas empenhados em encontrar nossos vizinhos no Universo, há duas agências espaciais que se destacam: a norte-americana Nasa, principal centro de excelência mundial, e a européia ESA, que reúne os cérebros dos maiores especialistas de 17 países do continente europeu. Os americanos levam vantagem, pois largaram 17 anos na frente da ESA, que foi inaugurada apenas em 1975.

A PRIMA DA TERRA
Semelhanças físicas entre Titã e a Terra tornam a maior lua de Saturno um possível berço de ETs
1. Ventania Gasosa - Em Titã, as nuvens são compostas de metano e etano. Elas formam uma camada de 200 km de espessura que gira a uma velocidade de 400 km/h
2. Dunas na Lua - As fotos mostram a existência de estruturas semelhantes a dunas formadas pelos ventos, além de canais, bacias e praias. A pressão atmosférica equivale a 1,5 a da Terra
3. Água com gás - O etano e o metano conseguem alcançar o estado líquido, apesar da temperatura ambiente beirar - 160 oC. Os compostos desempenham em Titã um papel análogo ao da água na Terra, formando chuvas, rios e lagos. As precipitações parecem ser raras
4. Vulcões de Gelo - A existência de montanhas no relevo de Titã sugere a presença de vulcões ativos. Um deles, com 30 km de diâmetro, já foi detectado. De seu interior, em vez de lava fervente, há gelo
COMPARAÇÃO ATMOSFÉRICA
A atmosfera de Titã tem estrutura semelhante à terrestre, mas é cinco vezes mais densa. Também possui efeito estufa, embora lá os principais gases causadores sejam o metano e o hidrogênio. Apresenta argônio em quantidade expressiva, cujas origens, como na Terra, devem estar na presença de elementos radioativos no subsolo


Como procurar?
Para explicar a quantas anda o projeto humano de caça aos ETs, escolhemos o homem em quem a maior agência espacial do mundo aposta todas as fichas. O biólogo John Rummel, líder da pesquisa sobre existência de vida alienígena da Nasa, é tão estimado pela agência americana que chega a ser descrito como "responsável pela proteção planetária" contra a contaminação da Terra por eventuais ETs. "São três as linhas de investigação que têm deixado os astrobiólogos cada vez mais animados", afirma Rummel sobre a corrida em busca dos aliens. "Uma é a descoberta de existência de água em planetas e luas do nosso Sistema Solar. Outra é o estudo de mundos situados ao redor de outros sistemas. E a terceira é a pesquisa dos extremófilos, as formas de vida que habitam os ambientes mais difíceis de nosso planeta." São exatamente essas três estratégias de caça a ETs que você terá a oportunidade de conhecer melhor nestas páginas. Mas, antes de começar a jornada, é necessário fazer uma pergunta fundamental: o que são ETs? Fácil: formas de vida alienígena. Mas leia de novo essa última frase. Há na sentença uma palavra que designa um fenômeno essencial, que na realidade é muito mais complexo do que aparenta ser. Antes, é preciso definir o que é vida.

Um simples fluxo de energia, matéria e informação? A habilidade de se comunicar com o mundo? Um sistema químico auto-suficiente, capaz de passar por uma evolução darwiniana? Ou uma simples propriedade que surge espontaneamente ao juntar um punhado de moléculas complexas? Ninguém sabe. A verdade é que a biologia ainda não gerou uma definição inequívoca de o que é um ser vivo. E os cientistas ainda não estão nem perto de chegar a um consenso sobre o conceito de vida.

As "leis da vida"

Europa - Um dos maiores satélites de Júpiter. Possui, debaixo de uma superfície coberta de gelo, um mar que contém mais água do que todos os oceanos da Terra somados

A lição que os últimos cem anos de pesquisa nos ensinaram é que, mesmo nos organismos mais simples, feitos de uma só célula, acontecem milhares de reações químicas ligadas à vida. E ao conjunto de tudo o que se sabe sobre essas reações dá-se o nome de bioquímica, ramo da biologia desenvolvido a partir da metade do século 19. Algumas características bioquímicas essenciais, verdadeiras "leis da vida", foram encontradas em todos os seres que habitam o nosso planeta. Por isso, os astrobiólogos acreditam que possam ser comuns não só às criaturas terrenas, mas a qualquer forma de vida existente no Universo.

Duas dessas "leis" merecem especial atenção. A primeira é o fato de os seres vivos que conhecemos serem feitos de compostos de carbono arrumados em pequenos "tijolos", chamados de aminoácidos. A segunda característica é o papel igualmente fundamental da água líquida no metabolismo dos seres vivos. A água atua no transporte de moléculas entre as diferentes partes da célula e participa da ocorrência das reações químicas necessárias à vida. Até mesmo no mais seco dos desertos os microorganismos estão captando moléculas de H2O depositadas nas pedras. É por isso que a descoberta de qualquer sinal de água líquida em um simples meteorito causa tanta comoção no meio científico, pois a presença de água é um prognóstico muito favorável para os caçadores de ETs. É a chamada abordagem "siga a água", que é tida como a estratégia mais promissora de caça aos aliens. E que começou a ser adotada, com mais tecnologia, a partir dos anos 1990.

SELEÇÃO NATURAL PLANETÁRIA
Seis pontos que definem os planetas mais aptos a abrigar vida

1. Tipo de sistema solar - A maior parte dos sistemas é composta por duas ou mais estrelas. Naqueles que possuem apenas uma, como o nosso, os planetas podem sofrer menos influências gravitacionais e preservar órbitas em regiões favoráveis à vida
2. Tamanho de estrela - Estrelas menores têm vida mais longa. Isso aumenta a probabilidade de que ocorram as reações químicas que levam à formação da vida
3. Interior ativo - Planetas rochosos com atmosfera e água líquida localizados fora da zona de habitabilidade (ver o item 5 ,"Localização") não são necessariamente estéreis. Aqueles que dispuserem de um interior ativo possuem uma fonte própria de calor capaz de sustentar microorganismos. Isso é extamente o que acontece na Terra
4. Atmosfera - Mesmo corpos celestes que estão dentro da zona de habitabilidade do nosso sistema, como a Lua e Marte, não possuem vida, pois não têm atmosfera. Isso acontece porque são pequenos demais para retê-la
5. Localização - A partir de uma certa distância de cada estrela fica a chamada zona de habitabilidade do sistema. Nela é possível encontrar água em estado líquido, elemento fundamental para o surgimento da vida como a conhecemos
6. Tipo de planeta - Os planetas muito grandes, como Júpiter e Saturno, também não são bons hospedeiros para a vida, pois têm uma superfície gasosa. A vida precisa de planetas que
tenham superfície rochosa, como a Terra.

Io - A lua de Júpiter tem os vulcões mais ativos do nosso Sistema Solar, responsáveis pela sua aparência esburacada. Como eles cobrem a superfície com grandes quantidades de enxofre, poderiam sustentar vida

Em 1996, após 20 anos de ausência no planeta vermelho, a Nasa lançou a sonda Mars Global Surveyor, destinada a estudar a geologia marciana. Depois se seguiram outras missões, como a Pathfinder (1997), a Mars Odissey (2001) e a Mars Exploration Rover (2003), que levou ao planeta vermelho dois robôs controlados por controle remoto. Além de confirmarem a existência de gelo nos pólos marcianos, essas missões encontraram claros sinais de que Marte já teve água líquida em quantidade suficiente para formar canais, lagos e outras estruturas geológicas. E, em dezembro de 2006, uma foto da Mars Global Surveyor revelou indícios de que existiria água líquida até hoje no planeta. A ação conjunta desse pequeno exército de sondas desbravadoras mostra que Marte realmente já teve condições de abrigar vida no passado. Ou até mesmo, quem sabe, possa ser a morada de minúsculos ETs neste exato momento (veja quadro "Oásis de ET?").

Mas Marte foi apenas a primeira escala dos caçadores de vida extraterrestre. Em 1997, a jornada espacial pela água já havia alcançado vizinhanças mais longínquas do Sistema Solar. Naquele ano, a sonda norte-americana Galileo sobrevoou Europa - uma das 63 luas de Júpiter - e revelou o que parecia ser um oceano subterrâneo maior do que todos os oceanos da Terra reunidos, escondido sob a superfície congelada do satélite. "Isso é algo que nunca imaginávamos ser possível, pois a distância entre Europa e o Sol é muito grande", diz Rummel.

A luz de Titã
Ano passado foi a vez de Encélado - uma das 48 luas de Saturno - entrar para o seleto clube de possíveis viveiros de ETs. Fotos tiradas pela sonda Cassini retrataram grandes gêiseres cuspindo vapor de água na atmosfera do satélite. Como aqui na Terra esses gêiseres geralmente estão ligados a reservatórios subterrâneos de água, é possível que Encélado também possua algo semelhante a um mar subterrâneo. "Estamos apenas começando a perceber o quanto era grande nossa ignorância quanto a esses mundos", diz Rummel.

Apesar de ainda não termos descoberto a localização exata das moradas de aliens (isso se elas existirem), de 2005 em diante uma pequena luz começou a cintilar em meio ao breu de ignorância científica que assola a astrobiologia. Agora é Titã - mais uma das luas de Saturno - que vem deixando os cientistas de respiração presa. "Titã é, em muitos aspectos, semelhante à Terra primitiva", diz o francês François Raulin, astrobiólogo da ESA. A missão Huygens, em que Raulin trabalha, lançou aos céus a sonda Cassini e colocou no solo de Titã uma sonda de 1,3 m de altura. Graças aos dados combinados das duas sondas, os astrônomos têm hoje um quadro detalhado de Titã, desde a atmosfera até o subsolo. O resultado é uma paisagem que lembra bastante o nosso planeta (veja quadro "A prima da Terra").

Mas, na realidade, Titã está mais para prima que para irmã da Terra, pois há diferenças significativas entre as duas. A temperatura ambiente de Titã fica por volta dos -180 0C. Os rios, mares e até as chuvas de lá são feitos de compostos orgânicos, principalmente metano e etano. Embora a água também esteja presente em Titã, lá ela está escondida sob a superfície e na forma de gelo. Alguns estudiosos acreditam que exista água líquida escondida sob o gelo, mas isso ainda não foi confirmado pelos instrumentos da Cassini.

OÁSIS DE ET?
Sinais de água em Marte podem fazer do planeta vermelho o maior point extraterrestre do Sistema Solar
Gás Vital - Em 2004 um telescópio na Terra detectou sinais de metano na atmosfera de Marte. Mesmo que o metano não seja produzido por microorganismos, pode significar que Marte esteja geologicamente ativo, o que seria um fator favorável à vida Fluido Misterioso - Esta foto de uma cratera na região dos Montes Centauri sugere que há algum fluido desconhecido agindo na superfície do planeta. Devido à grande quantidade de gelo que o planeta possui, a maior aposta é que se trate de água líquida
Retiro das Crateras - Estruturas como a cratera Gusav mostram que 4 bilhões de anos atrás Marte possuía uma superfície recortada por lagos e mares. Esse período coincidiu com o surgimento de vida na Terra, há 3,8 bilhões de anos

Geleira Abissal - O que sobrou das águas que existiram em Marte foi preservado na forma de duas massas de gelo nos pólos. O gráfico abaixo mostra que há gelo suficiente para cobrir todo o planeta com 9 m de água.

 

Fórmula básica

Encélado - A descoberta de gêiseres em atividade na lua de Saturno no ano passado mostrou que a presença de água líquida em nosso Sistema Solar pode ser mais comum do que se imaginava

Se a água for detectada, Titã será a bola da vez dos astrobiólogos e alcançará o posto de mais provável criadouro de vida alienígena do Sistema Solar. Raulin explica por quê: "Ao combinarmos água e compostos orgânicos semelhantes ao que encontramos em Titã, obtivemos aminoácidos no laboratório", afirma. A fórmula básica para criar vida é bem conhecida: água, compostos de carbono e energia. Em Titã, há tudo isso de sobra. A única coisa que falta para a lua de Saturno se transformar na meca dos astrobiólogos é a detecção de água líquida. "A missão deverá durar ainda quatro ou cinco anos. É possível que essa confirmação apareça em um futuro próximo", diz Raulin.

Enquanto a missão Huygens não termina, os cientistas se ocupam com uma tarefa ambiciosa: vasculhar o Universo inteiro em busca de corpos celestes completamente desconhecidos pela ciência há bem pouco tempo.

Os planetas extra-solares, isto é, que orbitam outras estrelas, são os mais novos habitantes da fauna interestelar. Eles foram descobertos em meados dos anos 1990, mas já deu tempo de os astrônomos encontrarem centenas deles. "Atualmente conhecemos mais de 200, e este número cresce quase que mensalmente", afirma o astrônomo Eduardo Janot, da USP. É quase certo que os parentes distantes da Terra marcarão presença nos futuros livros de história. "A descoberta dos planetas extra-solares é uma segunda revolução copernicana. Ela deixa para trás definitivamente a idéia de que somos especiais", avalia Rummel.

A nova onda inaugurou uma verdadeira temporada de caça aos planetas no meio científico. Em dezembro passado, a ESA colocou em órbita o telescópio espacial Corot, o primeiro especialmente desenvolvido para encontrar planetas com características favoráveis à vida. O projeto conta com participação brasileira, coordenada pelo próprio Janot. A Nasa também tem seu projeto de telescópio espacial para descobrir mundos semelhantes ao nosso. Batizado de Terrestrial Planet Finder (Buscador de Planetas Terrestres), o projeto compreende dois satélites, que serão capazes de detectar planetas do tamanho da Terra e analisar variáves como temperatura, distância da estrela e tamanho. O lançamento está previsto para o início da próxima década. Mas tudo depende da contabilidade da Nasa nos próximos anos. Com os cortes que vêm ocorrendo no orçamento da agência, boa parte da comunidade astronômica duvida que os satélites sejam efetivamente construídos e lançados algum dia.

Mas existe um problema ainda não solucionado sobre a caça de ETs fora do nosso Sistema Solar: como saber por quais sinais de vida procurar, se nunca vimos um alien? Eduardo Janot sugere uma estratégia para tentar responder à questão: ter como ponto de partida tudo o que já sabemos sobre os planetas de nosso sistema e sobre a vida terrestre.

VISITANTES INSÓLITOS
"Hoje a rocha 84001 atravessou todos esses billhões de anos e milhões de milhas e falou conosco", disse o ex-presidente dos EUA Bill Clinton em 7 de agosto de 1996, em pronunciamento oficial na Casa Branca. A mensagem da rocha anciã - um meteorito marciano de mais de 4 bilhões de anos - era clara: há possibilidade de existência de vida em Marte. Encontrada na Antártida em 1984, a rocha ALH 84001 já havia passado mais de 13 mil anos em nossa companhia aqui na Terra. Mas demorou quase uma década para que os cientistas descobrissem uma escassa evidência de vida alien. Eram apenas alguns vestígios de micróbios que supostamente moraram no meteorito, o que serviu como injeção de ânimo na busca científica pela vida fora da Terra. Mas a empolgação foi passageira. "Hoje os descobridores do meteorito acreditam que ele não contém sinais de vida", diz John Rummel, astrobiólogo da Nasa. Mais mensagens supostamente aliens chegaram à Terra entre julho e setembro de 2001, ao sul da Índia. No período, a pequena província de Kerala presenciou um fenômeno digno de filme de ficção: uma estranha chuva vermelha caiu dos céus. A cor se devia à ação de partículas avermelhadas em suspensão. Quando o físico Goldfrey Louis, da Universidade Mahatma Gandhi, examinou as gotas de chuva sob o microscópio, disse ter encontrado estruturas minúsculas, semelhantes a seres unicelulares, sem DNA, mas capazes de se reproduzir. Louis disse que se tratava de alguma forma de vida alienígena, talvez trazida por um cometa até as vizinhanças da Terra. A maior parte da comunidade científica reagiu às alegações de Louis com indiferença, e o episódio da chuva vermelha é visto como pouco mais do que uma curiosidade.
Imagens microscópicas (acima) revelaram partícula incomum em gotas de chuva que caíram na Índia
               

A busca de outra Terra

Examinando a fauna planetária do Sistema Solar, percebemos a existência de duas espécies de planetas: os rochosos e os gigantes gasosos. Os rochosos são Mercúrio, Vênus, Terra e Marte. Eles têm a superfície firme e propícia ao desenvolvimento da vida como a conhecemos aqui na Terra. Os demais - vale lembrar que Plutão não é mais classificado como um planeta junto aos outros - são gasosos. Por serem muito maiores que os rochosos, os gigantes gasosos extra-solares são bem mais fáceis de serem detectados - um deles, próximo à estrela GQ Lup, tem a massa de 6 mil Terras! Todos os que foram encontrados até agora fazem parte da família dos gigantes, que são menos propícios ao surgimento da vida devido à superfície gasosa. Encontrar os minúsculos planetas rochosos nos quais é possível ocorrer a química da vida é o principal desafio do telescópio espacial Corot, da ESA.

Estranhos vizinhos
Olhando com mais atenção para a nossa casa, a Terra, nos damos conta de mais características básicas para o surgimento e a manutenção da vida. Para que a água permaneça em estado líquido, o planeta deve estar distante o suficiente de sua estrela a ponto de a temperatura na superfície ficar dentro da zona de habitabilidade, região onde se encontram temperaturas entre 0 0C a 100 oC. Outros são a existência da atmosfera e a configuração do sistema em que o planeta está (veja quadro "Seleção natural planetária"). "Das duas centenas de extra-solares que descobrimos até agora, nenhum parece ser capaz de abrigar seres vivos", diz Janot. Mas talvez não seja necessário ir tão longe para contatar nossos companheiros de Cosmos. Se procurarmos direito, podemos encontrá-los logo aí ao lado, em um certo planeta vermelho. O mesmo que a Viking, a sonda xodó de Carl Sagan, visitou um dia.

Estamos falando, claro, de criaturas bem mais modestas que os ursos polares marcianos, habitantes da mente fértil de Sagan. Seres como esses não conseguiriam escapar ao "pente fino" biológico da Viking. Mas é possível que algumas criaturas, semelhantes às que habitam os lugares mais ingratos do nosso planeta (veja quadro abaixo), tenham escapado ao exame da Viking por causa de um erro experimental. "Hoje está claro que as amostras coletadas pela sonda deveriam ter sido aquecidas a temperaturas muito mais altas antes de realizar os experimentos para compensar a ação dos raios ultravioleta e a extrema reatividade do solo", afirma John Rummel. Ou seja, para a atual geração de astrobiólogos, a Viking não provou que o planeta vermelho é totalmente desabitado. Rummel aposta que a sonda Phoenix, que a Nasa lançará no segundo semestre deste ano, será capaz de encontrar respostas mais sólidas. "A Phoenix vai levar um robô que fará escavações a um metro de profundidade, onde se está ao abrigo dos raios ultravioleta", diz Rummel. "Muitos de nós achamos que encontraremos matéria orgânica em Marte se procurarmos abaixo da superfície", concorda François Raulin. Ele diz que a ESA também prepara sua própria missão-britadeira para cavocar o subsolo marciano. Chamada de Esomars, ela tem previsão para lançamento em 2009. Será que, até lá, os americanos já terão encontrado sinais de vida marciana?

5 CASCAS GROSSAS
Extremófilos encaram a sobrevivência nas condições mais adversas do planeta. E podem ajudar os cientistas a compreender os ETs

1. Alvinella pompejana
Surfista de vulcão -
Vive no fundo dos mares, em chaminés vulcânicas onde a temperatura ultrapassa os 180 oC
2. Deinococcus radiodurans
Papa radiação -
É capaz de sobreviver a doses de radiação 500 vezes maiores do que as toleradas pela espécie humana
3. Chloroflexus aurantiacus
Pau-para-toda-obra -
Embora faça fotossíntese, consegue sobreviver até no escuro se houver oxigênio
4. Thiobacilli
Turista do inferno -
A bactéria vive em ambientes altamence ácidos, como cavernas cheias de enxofre
5. Metanopyrus kandleri
Mergulhador do abismo -
Vive a uma profundidade de 2.000 m e alimenta-se de compostos de carbono

Há quem pense que isso já aconteceu. Em 2005, a sonda Mars Express fez medições da presença de metano na rarefeita atmosfera marciana, com resultados positivos. Como a produção de metano na Terra está ligada, entre outras coisas, à atividade metabólica dos seres vivos, há quem defenda ser este o sinal de que os micróbios marcianos estejam a todo vapor. "Há formas de produzir o metano que não envolvem seres vivos", afirma Natalie Cabrol, cientista colaboradora da Nasa no programa dos rovers em Marte. "Mas aqui na Terra, nos lugares onde esses processos ocorrem, encontramos também a presença de extremófilos. Pode ser que algo semelhante ocorra em Marte. Os lugares onde o metano é produzido seriam uma espécie de oásis onde os microorganismos poderiam subsistir", diz.

Por que acreditar
Talvez o avanço mais significativo na pesquisa astrobiológica esteja no debate sobre a crença na existência de vida em outros mundos. Essa discussão remonta, pelo menos, à Grécia Antiga. O exemplo mais famoso é o do filósofo Epicuro (341 a.C.-270 a.C.) que numa carta afirmou acreditar na possibilidade de "infinitos mundos, tanto diferentes quanto semelhantes ao nosso", no qual poderiam existir "criaturas vivas e plantas e outras coisas que vemos no nosso mundo". "À medida que temos mais conhecimento e tecnologia, mais elaborada fica a resposta para a questão da vida alienígena", diz Cabrol. "E, quanto mais exploramos, mais parece verossímil que a vida possa acontecer em outros lugares." Rummel opta por inverter a pergunta. "Até agora não encontramos nenhum motivo para pensar que a vida pudesse ocorrer exclusivamente na Terra. Não há nada na natureza química ou física do nosso planeta que seja diferente do que acontece no resto da galáxia ou no resto do Universo. Se acontece aqui, por que não em outro lugar?" Nunca estivemos tão perto de responder a essa pergunta.

LICENÇA ARTÍSTICA
Cientistas abusam da criatividade para imaginar como seriam os seres extraterrestres
 
O "Pulso de Adaga" é um alienígena de grande porte considerado verossímil pelo físico Stephen Hawking
"Como são os ETs?" Os primeiros cientistas que se deram ao trabalho de bolar uma resposta para essa questão imaginaram criaturas bem mais fantásticas que as colônias de microorganismos perseguidas pelos modernos astrobiólogos. Nos primórdios da astronomia, por exemplo, o alemão Johannes Kepler (1571-1630) deu asas não somente à imaginação, mas também aos habitantes da crosta lunar. Ele descreveu, em seu livro "Somnium" (1634), possíveis seres da Lua como serpentes aladas e com pernas que viviam em florestas.

Já em pleno final do século 19, o americano Percival Lowell não fez por menos. Depois de ver as ilustrações do astrônomo Giovanni Schiaparelli (1835-1910) sobre as linhas observadas em Marte, Lowell mobilizou quase todos os funcionários do laboratório que chefiava para realizar uma tarefa um tanto quanto esdrúxula: procurar a suposta civilização de alto desenvolvimento tecnológico que construiu os canais na tentativa de salvar Marte de uma secura mortal.

E ainda hoje há quem tenha vislumbres maiores. Em 2005, o Discovery Channel produziu a série "Alien Planet" (assista à reprise em 15/5, às 20 h), na qual cientistas de renome mundial como o cosmólogo Stephen Hawking, o geneticista Craig Venter e o paleontólogo Jack Horn basearam-se no atual conhecimento astrobiológico para tentar imaginar quais formas de vida poderiam se desenvolver num planeta extra-solar. O resultado foi um desfile de seres bizarros de todos os tamanhos, porém não muito diferentes dos que vemos em nosso planeta. O programa é diversão da melhor qualidade, mas será que serve como exercício de investigação científica? "Não temos nenhuma informação que permita distinguir as idéias ruins das boas", diz John Rummel, astrobiólogo da Nasa. "Mas não considero isso ciência. São só especulações."


Pablo Nogueira - Galileu- Astronomia


Vá fundo
Para ler
• "Planetas Solitários", David Greenspoon. Editora Globo. 2005
• "Life as We Don´t Know It", Peter Ward. Penguin Books. 2005
• "O Quinto Milagre", Paul Davies. Cia das Letras. 2000
• "Bilhões e Bilhões", Carl Sagan. Cia das Letras. 1998
Para navegar
• Astrobiology Magazine -
http://www.astrobio.net
• European Astrobiology Magazine - http://www.astrobio.net/amee/March/index
• Agência Espacial Européia - http://www.esa.int