Computadores "escondem" parte da crise climática.

EDUARDO GERAQUE

A abertura da "caixa-preta" dos modelos de computador usados pelo IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança do Clima) não deixa dúvida. As previsões feitas neste ano pelos cientistas são otimistas demais, pois ainda não levam em conta vários processos físicos que tendem a projetar um aquecimento global mais acentuado.

"Apesar de já existirem vários estudos sobre isso, os modelos usados para os cenários apresentados este ano pelo IPCC não consideram o ciclo de carbono acoplado, o processo do derretimento das geleiras e nem o comportamento dinâmico da vegetação", explica à Folha o climatologista Carlos Nobre, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

No caso do carbono, o que é levado em conta no cálculo é apenas os gases lançados na atmosfera pelo homem. Quando o carbono natural interage em seu ciclo com o "artificial" (emitido por atividades humanas), e com o clima, a tendência é que a quantidade de carbono aumente na atmosfera.

Isso já aparece nas contas do do Centro Hadley, do Reino Unido, mas ainda não está no modelo que a instituição desenvolveu para o IPCC. A incorporação do ciclo de carbono ao cálculo pode fazer com que a estimativa da quantidade de gás emitida até 2100 seja até 30% maior do que a esperada. Isso implicaria em uma diferença para mais na temperatura da Terra de até 2ºC, o que pode ser muito conforme o local.

O modelo de computador inglês é um dos 21 usados pelo IPCC nos relatórios apresentados este ano. Ele é considerado pessimista porque o aumento de temperatura que ele sugere para o fim do século é um dos maiores. Para os continentes, por exemplo, o acréscimo deverá variar entre 3ºC e 8ºC.

O painel de cientistas montou os diferentes cenários que apresentou em fevereiro com base em uma média de todos os modelos. Cada um, porém, olha para o clima real de forma diferente. Há desde modelos criados por EUA e Japão até Coréia do Sul e China. (O Brasil não tem nenhum para oferecer.)

Apesar dessas discrepâncias, todos os grupos consideram em seus cálculos os processos atmosféricos, a física do oceano, a vegetação de todo planeta (mas de forma estática) e a formação do gelo marinho.

Um modelo climático, na prática, é o resultado do processamento de uma série de equações matemáticas embutidas em um programa de computador. São, normalmente, milhões de comandos que precisam ser processados.

Fé na física

Tudo, entretanto, nasce na física. Os climatologistas enxergam toda a atmosfera do planeta por meio do que eles chamam de volumes elementares. É como se tudo fosse dividido em paralelepípedos de 270 km por 270 km. Isso numa coluna com 39 km de altura, segundo os números usados pelo Hadley Centre.

"Para cada volume existem as medidas de vento, temperatura, umidade e de nuvens. As equações também calculam a interação desses paralelepípedos entre si e com a superfície da Terra", diz Nobre.

Segundo o pesquisador do Inpe, a previsão feita por esses modelos do IPCC é considerada bastante eficiente.

Guardada as devidas proporções, é como ocorre hoje com a previsão do tempo no Brasil.

"O sistema brasileiro é capaz de prever com mais de 90% de precisão as temperaturas para as próximas 24 horas", garante o cientista. "O índice de acerto é bastante alto", diz.

Para Nobre, crer nos modelos que pretendem saber as características climáticas do futuro --e não o estado do tempo-- é bem possível. "É uma questão de acreditar que a física básica é bem representada."