Descoberto planeta habitável fora do Sistema Solar.


Os cientistas acreditam que a temperatura deve variar entre 0º e 40º C, o que torna provável que ele tenha água líquida, componente fundamental para a vida.

Giovana Girardi e Carlos Orsi


Ilustração representando o sistema de planetas de Gliese 581

SÃO PAULO - Astrônomos da França, Suíça e Portugal anunciaram nesta terça-feira,24, que localizaram o planeta extra-solar mais parecido com a Terra observado até hoje, e que tem possibilidade de abrigar vida.

Com cinco vezes a massa da Terra, este é o menor planeta já encontrado - tem raio 50% maior que o terrestre -, é provavelmente rochoso ou coberto de oceanos e se localiza na chamada zona habitável, isto é, fica a uma distância de sua estrela que faz com que ele não seja nem frio nem quente demais.

Os cientistas acreditam que sua temperatura deve variar entre 0º e 40º C, o que torna provável que ele tenha água líquida na superfície, componente fundamental para a existência de vida. Entretanto, provavelmente seria bem diferente da que temos por aqui. A massa maior significa uma gravidade também maior, explica ao Estado Stéphane Udry, do Observatório de Genebra, que liderou o estudo. “Agora se isso é bom ou ruim para a existência de vida não dá para dizer. Nós nem sabemos direito como a vida se formou na Terra”, diz.

“Este planeta será provavelmente um importante alvo para futuras missões espaciais dedicadas à procura por vida extraterrestre. No mapa do tesouro do Universo, é tentador marcar este planeta com um X”, afirmou Xavier Delfosse, pesquisador francês da equipe que fez a descoberta, em comunicado à imprensa.

O planeta, no entanto, orbita uma estrela anã tipo M, ou anã vermelha, muito mais fraca que o Sol. Pesquisadores envolvidos na busca por vida fora da Terra costumavam desprezar vizinhanças assim. O raciocínio era de que um planeta, para se manter na zona habitável, teria de ficar muito perto da estrela anã, com efeitos que inviabilizariam a vida. "Mas isso foi reconsiderado já há alguns anos", diz Xavier Bonfils, do Observatório de Lisboa, que também tomou parte na descoberta.

"A habitabilidade de planetas orbitando estrelas anãs tipo M foi, coincidentemente, tema de uma edição recente da Astrobiology Magazine, e os autores de um artigo publicado nessa revista mostram que a vida no planeta que descobrimos é, de fato, possível", afirma o pesquisador.

Bonfils reconhece, porém, que ainda se sabe muito pouco sobre o sistema de Gliese 581, a estrela em torno da qual o planeta foi encontrado, e que a descoberta representa apenas "um lugar para olhar, quando se procurar por vida". A descoberta terá algum impacto no cálculo da probabilidade de haver vida inteligente fora da Terra? "Não sei", responde o cientista.

Já Seth Shostak, do Instituto SETI - que coordena esforços de busca por sinais de rádio emitidos por inteligências de fora da Terra, como o SETI@home - diz que a descoberta é uma "boa notícia", porque sugere que planetas semelhantes à Terra podem ser abundantes no Universo. "São esses planetas pequenos que consideramos os mais compatíveis com a vida".

Shostak diz que os programas de busca do Instituto SETI já se voltaram para Gliese 581 duas vezes, em 1995 e 1997. "Embora não tenhamos encontrado nenhum sinal, vamos olhar de novo, possivelmente neste verão (do hemisfério Norte)".

Outros mundos

Ao redor de Gliese 581, já havia sido detectado um planeta com massa parecida com a de Netuno (15 vezes a da Terra). Os astrônomos também têm evidências de um terceiro planeta, com massa de oito vezes a da Terra.

Na última década foram localizados mais de 200 planetas fora do nosso Sistema Solar, mas a maioria é mais parecida com os gigantes gasosos Júpiter e Saturno, onde é impossível haver vida como a conhecemos, do que com a Terra. Isso porque as técnicas usadas para detecção se baseiam na oscilação gravitacional que um planeta provoca em sua estrela. Essa força ocorre entre todos os corpos, mas é diretamente proporcional à sua massa. Assim planetas menores são difíceis de observar porque a força que exercem é relativamente pequena.

No entanto, uma série de peculiaridades do novo planetinha e da sua estrela acabaram ajudando os pesquisadores a encontrá-lo. Ele está muito perto da anã vermelha, tanto que leva apenas 13 dias para completar uma volta ao redor dela (contra os 365 dias da Terra em relação ao Sol). Isso aliado ao fato de ele, apesar de pequeno, ser pesado, acaba exercendo uma perturbação maior. “Quanto mais próximo ou mais massivo um planeta, maior o efeito na velocidade da estrela. Com um aparelho de alta precisão é possível encontrar os planetas menores”, explicou Udry. E esse tipo de máquina ele tinha.

Ele e sua equipe trabalharam com o espectrógrafo (aparelho com que se observa o espectro de luz) Harps, localizado no telescópio ESO, que fica no Chile. Ele é capaz de medir velocidades com a precisão de 1 m/s, ou 3,6 km/h. Com o Harps já havia sido possível encontrar 11 dos 13 planetas extra-solares já localizados com massas menores que 20 vezes a da Terra.

Igual, mas diferente

A descoberta, submetida à revista Astronomy and Astrophysics, apesar de ser interessante, deve ser vista com algumas ressalvas, pondera o astrofísico Eduardo Janot Pacheco, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo. Ele coordena a parte brasileira do projeto internacional que vai trabalhar com o satélite francês Corot, lançado no final de 2006 com a meta de encontrar planetas semelhantes ao nosso.

“De fato essa planeta é o mais parecido com a Terra até hoje descoberto, mas sua estrela é muito diferente do nosso Sol, o que pode complicar um pouco as coisas”, afirma. A Gliese 581 tem massa de um terço da do Sol, e apenas 2% da intensidade solar.

“Isso significa que a luz que ela emite deve ser de um vermelho muito escuro, que mal dá para ver. A temperatura que chega no planeta não deve ser muito alta, o que faz com que as reações químicas sejam mais lentas”, diz. “Acho que temos aqui motivo para festejar, mas planetas como o nosso, ao redor de sóis como o nosso, só o Corot deve encontrar. Esperamos que ainda neste ano.”

O Estadão - Publicação 24/04/07