Supremo Tribunal Federal tenta definir o início da vida.

RAFAEL GARCIA

Uma audiência pública hoje no STF (Supremo Tribunal Federal) tem tudo para se tornar um debate científico sem sentido. Seus ministros deverão ouvir uma série de cientistas para depois emitirem seu veredicto sobre a questão "quando começa a vida humana?" Se o tribunal decidir que um embrião de poucas células é um ser vivo com status de pessoa, a legislação sofrerá alterações que devem desagradar a cientistas.

Hoje, para poderem fazer pesquisas com células-tronco embrionárias humanas (capazes de se diferenciar em qualquer tipo de tecido), os cientistas dependem do artigo 5º da lei de Biossegurança. Esse dispositivo está sendo questionado por uma ação do MPF (Ministério Público Federal), elaborada pelo ex-procurador-geral Claudio Fonteles.

Ele argumenta que a destruição de embriões viola o "direito à vida", assegurado pela Constituição. A lei de Biossegurança garante o acesso a embriões congelados por mais de três anos em clínicas de fertilização. Não podendo ser usado em pesquisa, o destino desse material é ficar em geladeiras por um tempo e depois ir para o lixo.

A audiência às 9h de hoje tende a virar uma batalha entre "religiosos" e "laicos". Defendendo as pesquisas com embriões estão cientistas convidados pelo STF (muitos deles estudiosos de células-tronco). Defendendo a proibição estão outros escolhidos pelo MPF e pela Confederação Nacional de Bispos do Brasil. Fonteles, um franciscano que nega ter movido a ação por convicções religiosas, foi quem sugeriu a audiência. "Apresentei na petição inicial os nomes para comprovar a minha tese jurídica", diz. "Fiz esse pedido da audiência e, graças a Deus, o ministro Carlos Brito [do STF] aceitou."

Apesar das implicações morais e éticas, nenhum filósofo foi convidado a depor. O risco da polarização temida é o de se discutir a questão errada.

"Aqueles que estão engajados em pesquisa cientifica avançada já abdicaram do problema da [definição da] vida faz tempo", disse à Folha Maurício de Carvalho Ramos, professor do de filosofia da USP. "A ciência estuda sistemas biológicos materiais e a resposta de o que vem a ser vida é metodologicamente posta de lado."

Apesar de criticar o caráter falsamente "técnico" que se pretende com a reunião, Ramos também mostra preocupação com o risco de o debate ser seqüestrado pela moral de um viés religioso. "Se o critério para escolha daquelas pessoas foi o vínculo delas com alguma religião, qualquer conclusão a que o debate chegue vai ser inconveniente", diz. "A lei tem um caráter absolutamente laico."

Para ele, a questão é complexa, pois envolve comparar o valor de "vidas potenciais". De um lado está a vida do embrião que não se tornará pessoa e, do outro, a vida de doentes que podem vir se beneficiar de tratamentos com células-tronco.

"Existe um certo grau de ingenuidade em imaginar que, em algumas reuniões, as pessoas vão conseguir decidir o que quer que seja", diz Ramos. "Existe uma tradição secular de pesquisa a respeito da natureza da vida humana."

Publicação Folha S. Paulo - 20/04/07