Laboratório produz feixe luminoso para estudo de moléculas e rochas.
EDUARDO GERAQUEdo Enviado Especial a Chilton
Para conseguir enxergar de forma inédita o universo micrométrico das moléculas, das rochas ou dos materiais sintéticos os britânicos tiveram que criar um laboratório quase isolado do solo. Esse objetivo foi atingido com um planejamento de pelo menos uma década e com um investimento de 260 milhões de libras esterlinas (R$ 1,51 bilhão aproximadamente). O laboratório de luz síncrotron Diamond, que fica em Chilton, a uma hora de trem de Londres, é um complexo de 45 mil metros 2 de área construída.
Ele está sobre um espaço que poderia ser ocupado por cinco campos de futebol. Se na chegada o edifício impressiona, apesar de parecer com estádio esportivo, depois de uma visita ele acaba ficando reduzido a "quase" nada. O grande diferencial do novo laboratório pode ser resumido a míseros mícrons (o mícron é a bilionésima parte do metro).
"A idéia aqui é ter estações experimentais dedicadas a observação de amostras da ordem de 5 mícrons ou menos. O Diamond foi projetado desde o início para isso", afirma o pesquisador brasileiro José Brandão-Neto, cientista do grupo de cristalografia macromolecular da instituição. O que importa mesmo lá é o tamanho daquilo que será colocado na ponta do feixe superbrilhante. Essa luz é fruto de uma corrida feita por milhões de elétrons que chegam quase até a velocidade da luz.
Em comparação com os outros síncrotrons que existe no mundo, o Diamond, segundo Brandão-Neto, tem uma luz mais brilhante, mais densa e com pouca divergência. "Nem é muito uma questão de potência da luz", disse. Em termos de potência de luz, ele é mais fraco do que outros que existem no Japão e nos Estados Unidos.
Em Chilton, fazer o foco da energia gerada sobre a amostra é mais fácil. Isso, também, por causa do que está sob o edifício e não dentro dele. "O fato de ter havido a preocupação de deixar o ambiente o mais estável possível é importante. Isso contribui para o estudo de amostras pequenas". A frase do pesquisador brasileiro não é apenas retórica. "O projeto garante o isolamento do prédio contra vibrações do solo na faixa de nanômetros." Sem isso, ficaria mais difícil conseguir gerar um feixe luminoso bastante denso.
O Diamond está montado em uma antiga base aérea da Segunda Guerra sobre 1.520 pilares. A rede para monitorar quanto o prédio se mexe tem 104 pontos de medição. Alguns deles sobre um colchão de concreto de 12 metros de espessura. A precisão da colocação das peças no desenho traçado pelos projetistas foi de 0,1 mm.
"Esse é um projeto que foi pedido pela própria comunidade científica em um levantamento nacional feito em 1993", informa Dominic Semple, coordenador de programa do Diamond e torcedor do Liverpool. O projeto é o maior investimento científico do Reino Unido em 30 anos. Segundo o executivo, o grosso do investimento foi dividido em duas fases. "A primeira, que incluiu a construção do prédio, teve um orçamento de 260 milhões de libras. Na segunda, que ainda não começou, haverá a injeção de mais 120 milhões de libras", disse.
Meteorito catarinense
Todos esses recursos terão muitas aplicações nos próximos anos, segundo Semple. Um dos grupos que já está usando a luz gerada no Diamond vai colocar exatamente uma amostra brasileira na ponta do feixe. O pesquisador Paul Schofield, do Museu de História Natural do Reino Unido, está estudando fragmentos do meteorito Santa Catarina, coletado no Sul do Brasil em 1875.
Já no laboratório do brasileiro Brandão-Neto, os objetivos são outros. "A cristalografia de macromoléculas, além de ser usada na descoberta de novos medicamentos, é uma técnica fundamental para o entendimento, em nível molecular, de vários processos, como o funcionamento do sistema imune dos organismos", disse.
Essas pesquisas são possíveis, dentro de um laboratório de luz síncrotron, graças a uma verdadeira cascata energética que começa em um processo semelhante ao que ocorre no de uma televisão convencional. Primeiro, pulsos de elétrons são criados. Em duas máquinas diferentes, os mesmos elétrons serão acelerados para 3 milhões de volts. Então, essas partículas passarão a correr, por até 10 horas, em uma espécie de velódromo coberto que no caso do Diamond tem 158,4 metros de diâmetro e paredes com até sete metros de largura.
Nessa correria de partículas é que a luz síncrotron será liberada e canalizada para as diferentes linhas de luz (estações). No mundo real, como deu para ver in loco, a ponta do feixe de luz termina em salas entulhadas de equipamentos. Eles funcionam como supermicroscópios que ajudarão os cientistas a detalhar as estruturas de suas amostras. Até 2011, no Diamond, eles serão 15. O que os cientistas fazem é se aproveitar do ziguezague dos elétrons para fazer uma radiografia 100 bilhões de vezes mais brilhante do que aquelas feitas em quem quebra o braço.
O jornalista EDUARDO GERAQUE viajou a convite do Consulado Britânico de São Paulo