Cientistas franceses rejeitam criacionismo.
Rejeição se deve ao crescente ataque à evolução feito por fundamentalistas.
Reuters
ORSAY, França - Agora que o criacionismo vem nas versões cristã e muçulmana, cientistas, professores e teólogos da França estão discutindo como contra-atacar o que consideram os crescentes ataques religiosos contra a ciência.
As críticas à evolução, antes limitadas a fundamentalistas protestantes dos Estados Unidos, preocupam a França, já que o papa Bento XVI e teólogos católicos importantes criticaram a visão neodarwinista da criação do mundo.
Uma editora islamita da Turquia enviou recentemente por e-mail um livro ilustrado muçulmano e criacionista para escolas de toda a França, obrigando o Ministério da Educação a vetar a publicação.
A Bíblia e o Alcorão dizem que Deus criou diretamente o mundo e tudo o que há nele. Os fundamentalistas cristãos acreditam literalmente nisso, mas o catolicismo e muitas igrejas protestantes interpretam a teoria em termos mais simbólicos.
Esse literalismo fez fundamentalistas cristãos rejeitarem a teoria da evolução elaborada no século 19 por Charles Darwin, a pedra fundamental da biologia moderna. Estudiosos acadêmicos também questionam a evolução, mas não vinham fazendo muito barulho.
"Há uma desconfiança crescente na ciência na opinião pública, especialmente entre os jovens, e isso nos preocupa", disse Philippe Deterre, biólogo e padre católico, que organizou um colóquio sobre o criacionismo voltado para cientistas no fim de semana.
"Há muitas questões que vão além de explicações estritamente científicas ou estritamente teológicas", disse ele no colóquio, realizado em Orsay, uma cidade universitária a sudoeste de Paris. A rede Blaise Pascal, de Deterre, promove a integração entre a ciência e a religião.
Proibidos de ensinar o criacionismo em escolas públicas dos EUA, cristãos conservadores defendem agora o argumento do "design inteligente", que alega que algumas formas de vida são complexas demais para ter simplesmente evoluído. Os cientistas consideram a tese um criacionismo disfarçado.
O assunto ficou na berlinda na França no mês passado, quando as escolas receberam exemplares gratuitos de um "Atlas da Criação", do turco Harun Yahya, acusando o darwinismo pelo terrorismo e pelo nazismo, entre outras coisas.
Hervé Le Guyader, professor de biologia da Universidade de Paris, afirmou que os professores precisam de mais orientação para reagir aos questionamentos cada vez maiores à teoria da evolução. "Ela é freqüentemente ensinada de modo simplista", disse ele. "Temos de dar a eles os argumentos filosóficos de que eles precisam para responder."
O paleontólogo Marc Godinot disse que os criacionistas e aqueles que os criticam tiram conclusões exageradas a partir de uma teoria que explica como a vida se desenvolveu, mas não como ela surgiu. Para ele, a origem da vida não é uma questão que a ciência pode responder. "Temos que desvendar isso, mas é um trabalho para filósofos e teólogos", disse Godinot. "A criação é um grande mistério."
Para Jacques Arnould, padre católico que trabalha no Centro Nacional para a Pesquisa Espacial da França, os cristãos da Europa não devem estranhar os criacionistas de outros lugares. "Eles acreditam, como nós", disse o teólogo no encontro que reuniu cerca de cem cientistas, a maioria católicos, mas alguns muçulmanos. "Há abordagens cristãs, muçulmanas e judaicas que temos de respeitar."
Segundo ele, os pensadores católicos deveriam atualizar a "teologia natural", os ensinamentos de São Tomás de Aquino (1225-1274) que aliaram a filosofia e a ciência, numa visão que dominou o pensamento europeu até o Iluminismo do século 18, em que as duas coisas se separaram.
"A teologia natural baseava-se no conhecimento daquela época", disse Arnould. "Esse conhecimento continua mudando, portanto a teologia natural tem de mudar também."