Ratos sabem da própria ignorância, mostra estudo.
RAFAEL GARCIATer conhecimento sobre a própria sabedoria (ou ignorância) é algo que todas as pessoas já experimentaram. Quando desistimos de responder a uma questão numa prova, por exemplo, nos deparamos com o fenômeno que ficou consagrado numa frase atribuída ao filósofo grego Sócrates ("Só sei que nada sei"). Essa habilidade --a metacognição-- é considerada por muitos cientistas um componente essencial da consciência humana. Um experimento recente, porém, mostra que ratos também têm capacidade de avaliar a própria sabedoria.
O teste com os roedores, elaborado pelos psicólogos Jonathon Crystal e Allison Foote, da Universidade da Geórgia (EUA), consistiu numa espécie de exame estudantil, seguido de uma recompensa. Os ratos tinham de adivinhar se um som emitido pelos pesquisadores deveria ser classificado como "curto" ou "longo", apertando uma das duas alavancas correspondentes na gaiola.
Caso acertassem, os roedores recebiam seis porções de comida; caso errassem, não recebiam nada. Mas os animais podiam optar também por não responder ao teste, quando achavam muito complicado (às vezes era emitido um som mais para "médio", difícil de classificar). No caso de desistência, recebiam três porções de ração.
Ao final do experimento, os pesquisadores constataram que os ratos pareciam saber avaliar o próprio conhecimento sobre duração de sons, e só arriscavam uma resposta quando sabiam que a chance de acertar era alta. Antes de afirmar que isso é sinal de que roedores possuem consciência, porém, Crystal, que publica agora um estudo sobre o assunto na revista "Current Biology" prefere manter cautela.
"Na verdade, não usei o conceito de consciência no artigo. Me concentrei em pedaços de informação" disse o pesquisador à Folha. Como ratos não podem relatar verbalmente uma eventual sensação de consciência, a questão tem de ser abordada aos poucos, justifica Crystal.
"O progresso será feito ao nos focarmos no conhecimento ao qual o animal tem acesso ou não e em como podemos ter evidência disso a partir do comportamento deles", diz. A análise da metacognição foi a abordagem de apenas um dos aspectos da consciência, diz.
A língua da consciência
Para o especialista em comportamento animal César Ades, da USP (Universidade de São Paulo), o experimento ajuda a abordar uma controvérsia atual na filosofia da mente: é preciso possuir linguagem verbal para ser consciente?
"Eu acho que devemos aceitar a existência de níveis de consciência que diferem em complexidade e em alcance", diz. "Experimentos como este mostram que certos níveis de consciência ou de autoconhecimento são partilhados com animais. Nem toda consciência é verbal", continua.
Apesar de muitos donos de animais de estimação atribuírem consciência a seus mascotes, é difícil obter provas científicas sobre a condição subjetiva de um animal que não fala. Uma preocupação de Crystal no experimento foi justamente evitar que o resultado pudesse ter uma interpretação puramente comportamental, ou seja, a de que os ratos tivessem sido "condicionados" a agir daquela maneira.
Se fosse assim, não seria possível afirmar que os animais "sabiam" o que estavam fazendo. Mas quando os ratos de Crystal eram obrigados a passar pelo teste do som --sem a opção de desistir-- o desempenho deles caía consideravelmente, algo que não aconteceria se eles estivessem simplesmente "condicionados". A prova, afinal, convenceu o crivo de revisores da "Current Biology", uma revista científica rigorosa.
Outro fator que fortalece os resultados de Crystal é que a metacognição já havia sido demonstrada em chimpanzés, animais evolutivamente bem mais próximos dos humanos.
A questão, porém, ainda está em aberto para outros animais. "Não acredito que seja possível uma demonstração dessas em peixes ou em abelhas, mas em aves... não sei", diz Ades. "Algumas aves são muito espertas: pombos talvez reagissem como os ratos, ou corvos. Vale a pena fazer o experimento."