Cientistas convertem luz em matéria, e em luz de novo.
Viajando a 200 m/h, o pulso de matéria leva os dados contidos na luz que o gerou.
Carlos Orsi
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SÃO PAULO - Em Jornada nas Estrelas, o Capitão Kirk entra no teletransporte para ter seu corpo convertido em radiação e, depois, reconvertido em matéria em algum ponto distante, geralmente a superfície de um planeta desconhecido. Embora as chances de se fazer isso com um ser humano continuem remotas, cientistas anunciam ter realizado a operação oposta: a conversão de radiação em matéria - e em radiação, de novo.
O processo pode parecer menos vantajoso que o aplicado pelos engenheiros da nave espacial Enterprise: radiação, afinal, viaja à velocidade da luz, enquanto que a "onda de matéria" criada pelos pesquisadores da Universidade Harvard e descrita na edição desta semana da revista Nature desloca-se a modestos 200 metros (0,2 quilômetro) por hora. Mas se o objetivo não for transporte, e sim manipulação e armazenamento, a nova técnica revela diversas utilidades: é bem mais fácil manter um pedaço de matéria quieto dentro de um armário que um raio de luz.
Segundo nota divulgada por Harvard, é exatamente esse o objetivo dos cientistas envolvidos no novo feito: "Estes experimentos oferecem um meio poderoso de controlar informação óptica", como os pulsos de luz usados em redes de fibras ópticas.
"Demonstramos que podemos deter um pulso de luz em uma nuvem de sódio super-resfriada, armazenar os dados contidos nele, apagá-lo por completo e reencarnar o pulso em outra nuvem, a dois décimos de milímetro de distância", disse um dos autores do trabalho, Lene Vestergaard Hau.
Hau e colegas determinaram que o pulso de luz pode ser transmitido e recriado com a conversão da onda original numa onda de matéria. O pulso material volta a ser luz ao entrar na segunda nuvem super-resfriada.
Essas nuvens não são compostas de matéria comum: são condensados de Bose-Einstein, um estado bizarro da matéria que surge quando, ao cair abaixo de uma temperatura crítica, os átomos perdem suas identidades individuais, assumindo um estado comum. Essa situação gera diversas novas propriedades, inéditas na matéria do dia-a-dia.
Previsto nos anos 20 pelos cientistas Albert Einstein e Satyendra Nath Bose, o condensado só foi produzido em laboratório, pela primeira vez, nos anos 90. Os primeiros trabalhos práticos com esses condensados deram aos físicos Eric Cornell, Wolfgang Ketterle e Carl Wieman prêmio Nobel de 2001.
"A natureza coordenada dos átomos do condensado de Bose-Einstein permite que a informação do pulso de luz inicial seja replicada exatamente na segunda nuvem de átomos de sódio, que colaboram para reviver o pulso", diz Hau, segundo a nota da universidade.