Gênio excêntrico fez descoberta do ano.

RICARDO BONALUME NETO

A resposta para um enigma secular da matemática, a conjectura de Poincaré, foi considerada pela revista científica americana "Science" o mais importante avanço científico de 2006.

O feito foi obra de um excêntrico e recluso matemático russo, Grigori Perelman, e trouxe na esteira polêmicas e conflitos de egos entre outros pesquisadores. Perelman ganhou a Medalha Fields, prêmio considerado o "Nobel" da matemática, mas recusou.

Mas não foi esse o único fato que demonstrou mais uma vez como a ciência é uma atividade humana, sujeita aos mesmos caprichos de outras, como o esporte, a política ou a arte.

A ciência em 2006 também foi abalada por casos de fraude que deram até em cadeia, e houve excesso de otimismo da própria "Science" ao prever em 2005 o que seria importante em 2006. As previsões para 2007 já estão mais comedidas.

A lista anual das dez grandes descobertas já é tradicional na "Science", uma das duas principais publicações científicas multidisciplinares do planeta (a outra é a britânica "Nature").

Entre os "dez mais", novos achados deram respostas importantes para temas centrais para a humanidade, como a mudança climática, a biodiversidade e a própria natureza do primata que imodestamente se batizou com o nome Homo sapiens (homem que sabe).

Geometria de borracha

A conjectura foi proposta pelo matemático francês Jules Henri Poincaré em 1904. Durante sete anos, Perelman trabalhou na sua demonstração, que expôs em três artigos em 2002. "Em 2006, quase quatro anos depois", diz a "Science", "pesquisadores chegaram a um consenso de que Perelman tinha resolvido um dos mais veneráveis problemas da área".

Poincaré é o fundador da topologia, disciplina que estuda as propriedades mais fundamentais das formas, aquelas que não são perdidas com deformações. É uma espécie de "geometria de borracha", na qual um objeto pode ser esticada e comprimido, mas não rasgado ou remendado.

A conjectura, grosso modo, afirma que dadas três dimensões, é impossível transformar uma forma com um furo no meio, como uma rosquinha, numa esfera, sem apelar para cortes e remendas. Mas formas sem furos têm como ser deformadas até virarem esferas -considerando uma quarta dimensão espacial.

Um grande passo na resolução foi dado em 1982 pelo matemático americano Richard Hamilton, que criou uma técnica, o "fluxo de Ricci", que trata matematicamente as formas com uma espécie de ferro de passar, "alisando-as". Mas mesmo assim sobravam "caroços" no fluxo. Só Perelman conseguiu eliminar o problema.

Outros autores, nos EUA e na China, confirmaram o trabalho de Perelman, mas começaram a brigar entre si por causa de supostos méritos, plágios, e declarações polêmicas. O próprio Perelman ficou indignado com os "padrões éticos" dos colegas.

Fraude das células

Problema ético grave mesmo foi a publicação pela "Science" de um estudo fraudado sobre células-tronco embrionárias feito pelo coreano Woo-Suk Hwang. Teria sido um estudo seminal, mas era pura ficção. Já o cientista Eric Poehlman foi condenado à prisão nos EUA por falsificar dados em um pedido de verba para pesquisa.

Em segundo lugar na lista dos dez principais achados está a pesquisa com DNA de fósseis. O estudo do material genético do neandertal --cujo primeiro fóssil foi achado há 150 anos-- mostrou que esse hominídeo pré-histórico tomou caminho diferente na evolução do homem moderno há 450 mil anos.

Em 2005, a "Science" afirmara que nos destaques de 2006 estariam a busca de ondas gravitacionais, os raios cósmicos de alta energia, o tratamento com "silenciamento" de genes e os supercondutores. Mas essas áreas não renderam tanto.

Para 2007, a revista faz chutes menos ousados: as missões de quatro sondas espaciais, o estudo de fósseis relativos à saída do Homo sapiens da África e a divulgação em fevereiro do relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática).