Ferramenta recua ocupação da América.

RAFAEL GARCIA

Um estudo apresentado anteontem em um simpósio no Piauí indica que um polêmico conjunto de ferramentas de pedra achadas no Boqueirão da Pedra Furada, em São Raimundo Nonato, foi mesmo obra de seres humanos. Com até 58 mil anos de idade, os instrumentos são a evidência mais antiga de povoamento da América.

Durante mais de duas décadas, a arqueóloga Niède Guidon foi ridicularizada por seus colegas por propor uma idade tão antiga para as ferramentas. Mas uma análise apresentada ontem por Eric Boeda, da Universidade de Paris, e Emílio Fogaça, da Universidade Católica de Goiás, silenciou os críticos.

"Do meu ponto de vista, esta é uma evidência incontestável de que os artefatos foram feitos por humanos", disse à Folha o arqueólogo Walter Neves, da USP, até então principal adversário intelectual de Guidon. Os artefatos têm causado controvérsia desde a sua descoberta, em 1978. Eles foram achados juntamente com supostas fogueiras no abrigo.

O achado causou polêmica porque nenhuma outra evidência arqueológica ou genética aponta para um povoamento do continente anterior a 20 mil anos. As fogueiras, argumentavam os críticos, poderiam muito bem ter sido produto de combustão espontânea.

"Alguns colegas americanos diziam que os objetos [achados no Piauí] eram apenas pedras que tinham rolado e se quebrado naturalmente", diz Guidon. "O consenso geral é que agora existe um fato", afirma. "O que se está discutindo é como esses homens chegaram aqui."

A polêmica, no entanto, ainda não morreu. "Os dados moleculares indicam uma saída da África há 55 mil anos. Essa data é incompatível [com a ocupação antiga da América]", disse o geneticista Sandro Bonatto, da PUC do Rio Grande do Sul.