Grupo decifra computador grego do século 2º a.C.

Um grupo de cientistas conseguiu decifrar um enigma que derrotou arqueólogos durante todo o século 20. Em estudo publicado hoje, eles revelam como funciona a máquina de Anticítera, um computador astronômico grego do século 2º a.C., movido a engrenagens. Usando tomografia de raios X para observar a peça, extremamente deteriorada, os pesquisadores desvendaram uma tecnologia avançada para a época, que só encontraria sofisticação igual um milênio depois.

"Um dos mostradores na parte de trás da máquina serve para prever eclipses e é baseado em um ciclo antigo conhecido como ciclo de Saros", explicou à Folha o pesquisador Tony Freeth, da Universidade de Cardiff, Reino Unido. "É um ciclo de 223 meses lunares, que, por volta do século 5 a.C, se difundiu entre os astrônomos babilônicos e, provavelmente, gregos."

E o nível de sofisticação do aparelho vai além. O mostrador frontal da máquina contava anos solares e meses lunares, e um terceiro mostrador, atrás, era uma tentativa de prever a oscilação de velocidade da órbita lunar. (A Lua tem uma órbita elíptica e se move mais rápido quando está mais próxima da Terra.)

"Os gregos não sabiam disso na época, mas eles sabiam que o movimento não era uniforme", diz Freeth. "O que essas engrenagens fazem é modelar uma teoria particular sobre essa variação, criada pelo famoso astrônomo Hiparco."

A máquina agora desvendada foi achada em 1900 por um catador de esponjas, num navio naufragado na ilha grega de Anticítera. Arqueólogos acreditam de fato que a embarcação tenha partido da ilha de Rodes, onde vivia Hiparco.

"Não podemos estabelecer ligação direta entre ele e a máquina de Anticítera, mas é tentador pensar que o próprio Hiparco possa ter ajudado a fazê-la", diz Freeth. "Só que ele morreu em 126 a.C., uma das datas mais antigas possíveis para a máquina. Ela deve ter sido feita depois de sua morte."

Segundo Freeth e seus colegas, que descrevem o mecanismo hoje em artigo na revista "Nature", a máquina de Anticítera força uma revisão da história da tecnologia na Antigüidade. "Essa máquina é uma sobrevivente isolada daquilo que deve ter sido uma longa tradição em fazer esses mecanismos", diz. "Ninguém poderia fazer algo sofisticado assim na primeira tentativa de produzir uma calculadora mecânica."

Existem referências na historiografia romana a um mecanismo desse tipo feito por Arquimedes, em Siracusa, e a outro que teria sido importado da Macedônia, mas nenhum sobreviveu ao tempo. Freeth, porém, não acredita que esses relatos tenham algo a ver com a máquina de Anticítera.

O X da questão

Para elaborar uma reconstituição confiável dos mecanismos internos, os pesquisadores da universidades de Cardiff, Atenas e Salônica tiveram de recompor um conjunto de peças que estavam em estado lamentável de conservação. Com suas peças de madeira e bronze parcialmente corroídas pelo mar, a máquina estava picotada em mais de 80 pedaços.

Usando tomografia tridimensional de raios X e imagens de superfície de alta resolução foi possível obter modelos muito melhores do formato das engrenagens e de inscrições que haviam se apagado.

Mas toda essa tecnologia não dispensou um bocado de trabalho de raciocínio. As 29 engrenagens identificadas pelos cientistas não estavam encaixadas e, montar o quebra-cabeça, exigiu grande esforço coletivo. Os pesquisadores tiveram ainda de postular a existência de uma engrenagem extra. "Fizemos isso para fazer o modelo funcionar, pois sabemos que parte dele se perdeu ao ficar 2.000 anos no mar", diz Freeth. Algumas inscrições nos mostradores, aliás, indicam que o mecanismo poderia ajudar a prever também as posições dos planetas conhecidos, "mas isso é especulação", afirma.

O fato de parte do modelo ter se perdido abre espaço para interpretações alternativas à do grupo de Freeth. "Como a evidência material é fragmentada, propor alguns chutes é inevitável", escreveu o arqueoastrônomo François Charette em comentário na "Nature". "Mas esse novo modelo é altamente sedutor e convincente em todos os detalhes."