Coração tem célula-mestra, diz estudo americano.

Uma mesma família de células-tronco embrionárias tem todos os ingredientes necessários para formar os vários tipos de células que compõem o coração dos mamíferos, segundo pesquisas apresentadas esta semana por dois grupos independentes na revista científica "Cell" (www.cell.com).

A descoberta poderá acelerar algumas das ainda distantes terapias celulares contra diversos tipos de males cardíacos.

"Está demonstrada a existência de um mesmo grupo de progenitores [espécie de família de células] com capacidade para formar todas as células que compõem o coração. Isso não apenas é interessante como também é relevante para o futuro da terapia celular cardíaca", disse à Folha o pesquisador Antônio Carlos Campos de Carvalho, que trabalha também com células-tronco na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Os estudos utilizaram células-tronco embrionárias, extraídas de embriões de camundongo. No Brasil, todos os tratamentos experimentais para cardiopatias, inclusive estudos financiados pelo Ministério da Saúde, usam células-tronco adultas (veja quadro à dir.), extraídas da medula óssea.

Os resultados apresentados agora surpreenderam os próprios autores do estudo. Para Kenneth Chien, da Escola Médica da Universidade Harvard, "o coração é mais parecido com o sangue [que também tem um tipo de formação semelhante] do que se imaginava". Em comunicado da instituição de pesquisa em que trabalha, o cientista admitiu ter ficado surpreso com os seus dados. "Apenas uma única simples célula pode dar origem a todas as estruturas e tecidos do coração", declarou.

Outro pesquisador, Stuart Orkin, do Instituto Médico Howard Hughes e principal autor de um dos trabalhos afirmou que os dois estudos vão mudar o pensamento dos pesquisadores sobre o desenvolvimento dos órgãos dos mamíferos.

Diferenciação espontânea

No estudo conduzido por Orkin, foram isoladas células-tronco embrionárias nas quais um tipo específico de gene era expresso ("ligado"). Esse grupo celular, de forma espontânea, se diferenciou inicialmente em células do músculo cardíaco e do sistema que conduz os impulsos elétricos pelo coração.

Os pesquisadores também descobriram uma espécie de desvio nessa mesma linha de diferenciação celular. Em 28% das células, um segundo gene entrou em ação. Isso fez com que células de músculos lisos fossem formadas. Esse grupo é útil para a formação dos vasos do coração.

Resultados semelhantes, mas com uma outra família de célula, foram obtidos pelo outro grupo, liderado por Alessandra Moretti, pesquisadora do Hospital Geral de Massachusetts, em Boston. O que resta saber agora é qual a relação entre os dois grupos celulares.

Manipulação sem tumor

Os resultados que acabam de ser apresentados ajudam a mostrar ainda que nem sempre o polêmico uso de células-tronco embrionárias está atrelado ao desenvolvimento de tumores --os chamados teratomas, uma mistura de vários tipos de tecido. "Tudo relativo à células-tronco ainda é muito contraditório. Mas, os dois trabalhos demonstram que seria possível manipular as células-tronco embrionárias de forma a garantir a injeção apenas dos progenitores, evitando assim a formação dos tumores", disse Carvalho, da UFRJ.

O problema que persiste é o ético --afinal, para obter células-tronco é preciso destruir um embrião de alguns dias, o que muitos consideram o equivalente moral do assassinato.