Cientistas propõem novo método matemático para cortar bolo.
Autores dizem que a técnica é melhor que a clássica ´eu corto você escolhe´.
Carlos Orsi
SÃO PAULO - Quando um matemático e um cientista político americanos se unem a um economista austríaco para estudar um problema, é de se imaginar que a questão seja importante, complexa e desafiadora. Como esta, por exemplo: qual a melhor forma de cortar um bolo?
É da busca de um método ideal para dividir o doce - e que pode servir para a partilha de outros recursos, como terra ou petróleo - que Steven J. Brams, Michael A. Jones e o austríaco Christian Klamler colaboram num artigo que será publicado na edição de dezembro de Notices of the American Mathematical Society. O título é, exatamente, Better Ways To Cut a Cake ("Melhores Meios para Cortar um Bolo")
Leitores do livro Mania de Matemática, do britânico Ian Stewart (publicado no Brasil pela Jorge Zahar) já conhecem as sutilezas problema: como dividir um bolo (ou um tesouro, ou talvez uma cidade sagrada) de forma que o resultado seja eqüitativo, eficiente e livre de inveja?
Esses termos, usados de forma técnica, significam que o método usado deve garantir que nenhuma das pessoas entre as quais o bolo é dividido ficará com a impressão de que uma das outras se saiu melhor (isto é "livre de inveja"), que não existe um meio capaz de melhorar o resultado para uma das partes sem piorar o das demais (isto é "eficiente") e que ninguém fica com a impressão subjetiva de que se deu melhor que os outros (isto é "eqüitativo").
A técnica testada e aprovada pela história, ao menos quando há apenas duas pessoas na disputa, é "eu corto, você escolhe". Em seu artigo, no entanto, Brams, Jones e Klamler argumentam que o método não é sempre eqüitativo: por exemplo, se o bolo tiver cobertura de chocolate até a metade e de baunilha daí em diante, e se um dos participantes da divisão gostar muito mais de chocolate do que de baunilha, uma divisão meio a meio poderá deixar um dos envolvidos muito mais satisfeito que o outro.
Para evitar isso, os três cientistas propõem um novo método, batizado de "Procedimento da Sobra" (SP, na sigla em inglês). Esse método requer um árbitro, a quem cada participante terá de dizer onde fica, em sua preferência subjetiva, a linha que divide o bolo, não em duas partes visualmente iguais, mas em duas partes de igual valor. O árbitro faz a divisão e dá a cada participante sua "metade subjetiva". O método gera uma sobra, que volta a ser dividida de forma proporcional à preferência de cada um.
A técnica, argumentam os autores, garante que cada participante da divisão receba, se não partes iguais do bolo, partes que valorizarão igualmente.
Para mais de dois participantes, o método SP é modificado e se torna EP, de "Procedimento de Eqüitabilidade". Nesse caso, a proporção do valor subjetivo do bolo que se pede a cada participante varia com o número de comensais - um terço se forem três, um quarto se forem quatro, etc.
O resultado, no entanto, não é ideal: o EP não garante que o processo seja livre de inveja, embora, de acordo com a demonstração matemática apresentada no artigo, seja eqüitativo e eficiente.
Mas a principal vantagem dos métodos SP e EP está em teoremas apresentados pelos autores, mostrando que ambos são critérios imunes à manipulação: as regras garantem que um participante que minta sobre suas preferências, para conseguir mais do que a parte justa, acabará ficando com menos do que gostaria.