Bactérias ampliam limites para busca de vida em Marte.
Uma nova espécie se alimenta de água radioativa, e parece não precisar da luz do Sol; outra é capaz de se reproduzir a -1º C.
Carlos Orsi
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SÃO PAULO - Pesquisadores da Indiana University Bloomington e de oito outras instituições informam, na edição desta semana da revista Science, a descoberta de uma comunidade auto-suficiente de bactérias que vivem em rochas a 2,8 km de profundidade, e que se alimentam de água radioativa. A descoberta confirma a expansão da biosfera terrestre, a camada do planeta que é capaz de sustentar vida.
Mas além de ampliar a compreensão da vida na Terra, a descoberta também reforça a noção de que a vida é um fenômeno muito mais resistente, e flexível, do que se supõe normalmente, aumentando as perspectivas para a descoberta de seres vivos, ainda que microscópicos, fora do nosso planeta.
Esse otimismo ganha reforço de outra pesquisa, desta vez publicada no website do International Journal of Astrobiology e realizada por uma colaboração de astrônomos e biólogos, que determinou que alguns microorganismos adaptados ao frio não só sobrevivem, como se reproduzem a temperaturas de -1,1º C. Esses micróbios desenvolveram um mecanismo de defesa para suportar temperaturas extremamente baixas.
"O limite inferior de temperatura no qual a vida ainda é possível é importante porque, tanto no Sistema Solar quanto na Via-Láctea, ambientes gelados são muito mais comuns que ambientes quentes", diz o astrônomo Neill Reid, segundo nota divulgada pelo Space Telescope Science Institute. Reid liderou a equipe de pesquisa com as bactérias super-resfriadas. "Isso poderia expandir o reino da zona habitável, a área onde vida pode existir, para planetas frios, semelhantes a Marte".
A descoberta das bactérias que vivem em água radioativa também tem implicações para a busca de vida em Marte, já que organismos semelhantes poderiam prosperar na água do subsolo marciano. Embora a existência de bactérias no subsolo terrestre não seja uma novidade, muitos cientistas eram céticos quanto à possibilidade de essas criaturas serem auto-suficientes, desligadas da biosfera da superfície, que é sustentada pela luz do Sol.
Os autores do artigo publicado na Science afirmam que a nova comunidade de bactérias, descoberta numa rachadura de uma mina de ouro da África do Sul, é permanente - existe há milhões de anos - e não depende do Sol: a energia que sustenta os micróbios vem da desintegração de minérios de urânio.
A radiação que emana da decomposição do urânio permite a formação de hidrogênio na água, que por sua vez se combina com o enxofre presente em outros minerais. As principais bactérias da comunidade, uma nova espécie da divisão Firmicutes, colhem a energia da reação entre hidrogênio e compostos de enxofre. As outras espécies de bactéria na fissura usam os dejetos produzidos pelas Firmicutes como alimento.
No caso das bactérias que resistem ao frio extremo, as pesquisas foram realizadas com variedades recolhidas de lagos da Antártida. No laboratório, uma das variedades, os micróbios halófilos ("amigos do sal") apresentaram crescimento significativo a -1º C. Os metanógenos ("criadores de metano") se mantiveram ativos até -2º C. Os pesquisadores envolvidos no estudo afirmam que essas marcas representam uma "redução do limite de temperatura dessas espécies em vários graus".
Os cientistas também ficaram surpresos ao descobrir que as duas variedades de micróbio protegem-se das temperaturas extremas, formando agregados - as bactérias grudam umas nas outras, parando de crescer, mas preservando a população.
As duas variedades foram escolhidas por conta de sua relevância para os estudos da possibilidade da vida em Marte. Halófilos poderiam existir em águas salobras debaixo da superfície do planeta, e metanógenos poderiam sobreviver num ambiente sem oxigênio, como Marte. Traços de metano encontrados na atmosfera marciana já foram atribuídos, hipoteticamente, à presença de algum tipo de metanógeno no planeta vermelho.