Experimento aponta que célula adulta pode "virar" embrionária.


RAFAEL GARCIA

Cientistas japoneses conseguiram fazer com que células diferenciadas adultas adquirissem o mesmo potencial terapêutico de células-tronco após alteração genética. Em experimento com camundongos, os pesquisadores conseguiram acionar a produção de quatro proteínas da classe dos "fatores de transcrição" --aquelas que regulam a ativação de genes específicos-- capazes de conferir versatilidade a células comuns.

"Estamos trabalhando agora com células humanas, mas não sabemos quanto tempo levaremos para terminar esta fase do projeto", disse à Folha Shinya Yamanaka, da Universidade de Kyoto, que descreve o experimento junto com seu colega Kazutoshi Takahashi em estudo na revista "Cell". "A demora dependerá de os quatro fatores que usamos funcionarem em células humanas ou de serem necessários fatores adicionais."

Se tiverem sucesso, os pesquisadores esperam conseguir uma fonte de células terapêuticas que podem ser a alternativa ao uso de células-tronco embrionárias, capazes de se diferenciar nos mais variados tipos de tecido. Técnicas experimentais que fazem uso delas procuram tratamentos melhores para doenças diversas, indo de males cardíacos até alguns tipos de degeneração nervosa.

Hoje, porém, é preciso destruir embriões para obter as células terapêuticas. Religiosos classificam essa prática como aborto, o que tem dificultado a pesquisa na área. Alguns cientistas têm procurado usar células-tronco adultas em tratamentos experimentais, mas o potencial de tratamento das adultas aparentemente é menor do que o das embrionárias.

A identificação dos quatro fatores de transcrição que induzem a pluripotência (versatilidade) das células foi o ponto-chave do trabalho de Yamashita e deve influenciar até mesmo pesquisas com células-tronco. Em comunicado à imprensa, a "Cell" manifestou surpresa com o fato de os cientistas terem conseguido transformar a natureza das células usando apenas quatro fatores.

Poucos e bons

"Na verdade, não sabíamos de antemão se o número de fatores seria da ordem de um, dez ou cem, então não ficamos surpresos com o número quatro em si", diz Yamanaka. "Surpreendemo-nos com o fato de termos tido a sorte de identificar os fatores necessários."

Yamanaka abre uma nova perspectiva para pesquisas, mas seu estudo foi recebido com cautela pelos pares.

"O trabalho é importante como prova de princípio", diz Marco Antônio Zago, pesquisador da USP de Ribeirão Preto. "Mas, no estado atual, essas células não poderiam ser usadas em experimentos clínicos, pois foram modificadas com genes que têm potencial cancerígeno, como c-Myc." Zago alerta que o uso de células geneticamente alteradas também pode levantar questionamentos éticos.

Stevens Kastrup Rehen, da UFRJ, aponta para o fato de algumas das células obtidas por Yamanaka terem número anormal de cromossomos. "Isso foi praticamente ignorado na discussão do trabalho." Para Rehen, também é preciso analisar se as células de Yamanaka foram efetivamente transformadas ou se surgiram a partir de escassas células-tronco adultas existentes na pele.