Brasil entra na busca por seres vivos fora da Terra.

 RAFAEL GARCIA

Um grupo de pesquisadores brasileiros está se articulando para entrar em uma área de pesquisa que aos poucos vem perdendo o estigma de ficção científica: a astrobiologia, o estudo da possibilidade de haver vida fora da Terra.

Astrônomos e biólogos planejam a criação formal de um grupo interdisciplinar brasileiro --eventualmente com apoio do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico)-- para atividades como busca de planetas habitáveis fora do Sistema Solar, de moléculas orgânicas complexas fora da Terra e estudo de micróbios capazes de sobreviver no meio interestelar.

Diversos pesquisadores do país já mostram interesse pessoal pelo assunto, mas ainda não existem institutos que mantenham linha de pesquisa na área, em parte porque a astrobiologia é essencialmente interdisciplinar. "Em algum momento próximo, a gente vai tentar juntar essas iniciativas num grupo formal no CNPq, com produção científica articulada entre diferentes áreas do conhecimento", diz o astrônomo Carlos Alexandre Wuensche, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

O pontapé inicial no Brasil foi dado em março último, quando um workshop internacional sobre o assunto foi realizado no Rio. O evento teve participação de pesquisadores da USP, do Inpe, da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Mackenzie e UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Nesta semana, uma palestra de Wuensche e uma mesa redonda sobre o tema tiveram destaque na reunião anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), em Florianópolis.

Um dos principais astrônomos brasileiros engajados na astrobiologia hoje é Gustavo Porto de Mello, do Observatório do Valongo, no Rio de Janeiro, que acaba de publicar um estudo no periódico científico "Astrobiology" (www.liebertpub.com/ast). Mello fez uma análise das 182 estrelas mais próximas do Sol, para determinar as melhores candidatas a abrigar planetas com vida. Dessas, 13 foram escolhidas como alvos prioritários para observação por parte de sondas.

Franco-brasileira

Uma dessas naves-robô é a Corot, projeto liderado pela CNES (agência espacial da França) com colaboração brasileira. A sonda, que decola em outubro, vai analisar estrelas em busca de planetas extra-solares de todos os tipos. A astrofísica Adriana Roque da Silva, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo, é autora de uma das propostas de observação agendadas para a Corot. Ela criou um método que ajuda a diferenciar planetas de estrelas pequenas que orbitam outras estrelas (chamados sistemas binários), publicado neste ano no "Astrophysical Journal".

Trabalhos como o de Mello e Adriana ainda são raros no Brasil, mas estão crescendo em número. A criação formal de um grupo no CNPq, afinal, requer a existência de um corpo razoável de estudos publicados. O físico Jaime Rocha, da Uerj, também envolvido na iniciativa, diz que isso pode ser alcançado dentro de um ano. "O que existe de publicação hoje são temas correlatos [à astrobiologia]", diz. "Mas o que a gente pretende produzir em médio prazo são temas articulados que, aí sim, poderão ser classificados como astrobiologia."

Wuensche quer trabalhar com detecção de moléculas orgânicas complexas --possivelmente de origem biológica-- no meio interestelar. "Eventualmente, quero propor um experimento para usar a tecnologia do Inpe, a bordo de um balão" na alta atmosfera, diz.

Um dos grupos de biologia que pode se juntar à iniciativa é o de Vivian Pelizzari, do Instituto de Ciências Biológicas da USP, que trabalha com micróbios capazes de sobreviver em condições altamente adversas, os chamados extremófilos. O estudo desses seres pode dar uma pista sobre o limite das condições em que é possível existir vida da forma como a conhecemos, ampliando o espectro de planetas habitáveis.