Inverno no planeta vermelho.

Robôs são conhecidos por sua extrema durabilidade e competentíssima inteligência artificial --na ficção científica, pelo menos.

Isaac Asimov, o mestre das histórias de robôs, escreveu muito sobre isso. No conto "Victory Unintentional", de 1942, ele fala de máquinas tão robustas a ponto de sobreviver à violentíssima pressão atmosférica de Júpiter, encontrar lá embaixo os habitantes agressivos daquele planeta gigante gasoso e desencorajá-los a travar uma guerra contra a humanidade.

Já em "Stranger in Paradise", de 1974, o autor russo-americano nos apresenta um robô perfeitamente adaptado a uma existência fervente e sob baixa gravidade no planeta Mercúrio, o mais próximo do Sol. Para a ficção, robôs podem sobreviver a qualquer ambiente.

JPL/Nasa
Ilustração de um dos jipes da Nasa em Marte
Ilustração de um dos jipes da Nasa em Marte
A história real dos jipes robóticos Spirit e Opportunity em Marte pode parecer tão romântica quanto um conto de Asimov. Projetados para trabalhar apenas três meses no planeta vermelho, os dois robôs já estão lá há uns dois anos e meio (desde janeiro de 2004), em permanente operação. Mas, por trás da robustez, apresentam-se desafios cada vez mais complexos aos engenheiros que os controlam.

JPL/Nasa
Marcas feitas no solo de Marte pela dificuldade de dirigir sobre 5 rodas
Marcas feitas no solo de Marte pela dificuldade de dirigir sobre 5 rodas
Em meados de março, uma das seis rodas do Spirit travou, e não houve comando enviado da Terra que pudesse resolver o problema. Desde então, o jipe "manquitola" sobre cinco rodas, numa corrida desesperada para se proteger do inverno marciano. Ele está na região da cratera Gusev, local 15 graus ao sul do equador de Marte --para os que mataram a aula de geografia, em linhas gerais, quanto mais longe se está do equador, maior a variação climática ao longo do ano.

Em qualquer ponto do globo, o planeta vermelho já costuma ser frio. A temperatura normalmente oscila entre 20 graus positivos (com um "solão" do meio-dia no verão) e os 140 graus negativos (numa madrugada fria de inverno). O mais comum é enfrentar uma temperatura ao redor de 60ºC negativos, e os jipes robóticos da Nasa contam com aquecedores radioativos, que permitem que os computadores continuem operando mesmo sob o frio marciano. Então, qual é o problema?

Eletricidade. Na falta de uma tomada onde possam se plugar, os jipes contam com painéis solares para obter a energia elétrica que alimenta seus sistemas. Durante o inverno no hemisfério Sul marciano, os dias são mais curtos e o Sol não chega até o "topo" do céu durante sua travessia diária pelo firmamento, inclinando-se na direção do norte.

Para o Opportunity, que ainda tem as seis rodas funcionando e está mais perto do equador, esse problema praticamente inexiste. Mas o Spirit vai sofrer um bocado. Por isso, os técnicos e engenheiros estão economizando ao máximo a energia do robô e se dedicando a levá-lo a um local mais favorável --uma encosta de montanha que o deixe inclinado, de modo a passar o maior tempo possível com seus painéis voltados para o Sol.

JPL/Nasa
Em Marte, jipe Spirit começa a observar arredores do seu refúgio de inverno
Em Marte, jipe Spirit começa a observar arredores do seu refúgio de inverno

Ao que parece, a despeito das dificuldades com a roda travada, o Spirit conseguiu. A Nasa anunciou que o robô já repousa sobre a Low Ridge Haven, uma encosta com 11 graus de inclinação que permitirá ao jipe sobreviver a mais um inverno marciano. O robô agora trabalha coletando imagens para fazer um detalhado panorama dos arredores de onde estacionou, para que os cientistas possam planejar os estudos de inverno.

Assim, a despeito das dificuldades, a vida continua em Marte para os robôs. Ambos acabam de receber inclusive uma atualização de sua programação, para se tornarem mais "espertos" e detectarem sozinhos a presença de nuvens e de pequenos distúrbios atmosféricos como os redemoinhos de poeira.

Talvez essa jornada épica de mais de dois anos no planeta vermelho prove que, afinal, os robôs são mesmo os maioriais em exploração espacial, a despeito de ainda não terem o cérebro positrônico das criações de Asimov. Mas será mesmo? Durante mais de dois anos em solo marciano, Spirit e Opportunity rodaram, cada um, cerca de sete quilômetros. Só hoje, para vir trabalhar e voltar para casa, eu e meu carrinho "low-tech" percorremos uns 25 quilômetros. Até por uma questão de escala, para os astronautas do futuro o grandioso passeio dos jipes marcianos parecerá uma pequena volta no quarteirão.

Salvador Nogueira