Inteligência suicida e os ataques dos bandidos.
Então, eu moro em São Paulo.
Uma das coisas que inevitavelmente a gente pensa depois de uma crise de violência como essas --sem precedentes na cidade e no Estado-- é "por que tem de ser assim?". Não sei a sua opinião, mas para mim uma situação como essa, de total descontrole do governo, histeria da população e desfaçatez dos bandidos, agride a minha própria humanidade. Gosto de acreditar que vamos --e estamos sempre a-- progredir. No que diz respeito ao futuro da nossa espécie, na Terra e fora dela, costumo ser um otimista. Mas eventos como esse colocam a incômoda questão: será?
Não se preocupe. O resto da coluna não vai ser sobre a bandidagem -- eu não agüento mais esse assunto e espero que você também esteja se cansando dele, a essa altura do campeonato. Mas acho que surge aqui uma boa oportunidade para discutirmos uma questão transcendente, bem à moda do mensageiro sideral. Então, lá vai ela: estamos sós no Universo?
Esta é a sua deixa. "Ei, peraí", você me diz. "O que a violência urbana tem a ver com vida extraterrestre?" Com vocês, Enrico Fermi, o brilhante físico do século 20.
Cientista italiano radicado nos Estados Unidos, Fermi ficou conhecido por suas pesquisas sobre física de partículas --o famoso Fermilab, em Chicago, ganhou seu nome em homenagem a ele. Mas, no que diz respeito à busca por vida alienígena, ele não era um dos mais entusiásticos apoiadores.
O assunto surgiu na mesa de Fermi e seus colegas num almoço, em 1950. Alguns deles defendiam fortemente a hipótese de inteligência extraterrestre, citando as já conhecidas estatísticas: a Terra é só um planeta, de vários que orbitam ao redor do Sol, que é uma estrela entre 200 bilhões delas na galáxia, que é apenas uma de bilhões e bilhões de galáxias. Como pode, em toda essa quase infinita variedade, haver apenas um lugar com vida inteligente?
Fermi respondeu a seus amigos com uma pergunta. "Muito bem", disse ele. "Mas então onde está todo mundo?"
Pode parecer ingênuo, mas não é. Uns cálculos rápidos mostram que uma civilização inteligente, mesmo num ritmo modorrento (vulgo, abaixo da velocidade da luz), poderia colonizar toda a Via Láctea, com suas incontáveis estrelas, em menos de 1 milhão de anos. Nós ainda não chegamos ao nível tecnológico que permitiria o início dessa colonização. Mas nós só entramos no jogo há uns 160 mil anos (se contarmos apenas a versão Homo sapiens), e a galáxia está aí há uns 13 bilhões de anos. Pelo mesmo argumento estatístico dos entusiastas por alienígenas, alguém deve ter chegado antes de nós. Então, por que ninguém colonizou o Sistema Solar antes que começássemos a explorá-lo?
Esse problema ficou conhecido como paradoxo de Fermi --e a resposta para o enigma ninguém ainda tem. (Obrigado pela presença, Enrico. Você pode ir agora.)
Uma possibilidade assustadora é que (e agora você vai entender onde o PCC, Osama bin Laden e outros dessa turma entram na conversa) nenhuma civilização tenha colonizado a Via Láctea ainda simplesmente porque nenhuma civilização consegue sobreviver a si mesma depois que atinge um certo nível tecnológico.
Animais evoluem no ambiente de competição da natureza, e instintos violentos necessariamente fazem parte desse pacote. Ainda que sejamos conscientes e inteligentes, capazes de ações racionais e não puramente instintivas, nossa evolução nos legou esse fardo. Até aí tudo bem --brigas de estádio não têm o poder de destruir civilizações inteiras.
Infelizmente, o tempo dos socos e pontapés está cada vez mais no passado. Civilizações tecnológicas desenvolvem, com o tempo, formas cada vez mais sofisticadas de violência. Basta lembrarmos as duas tecnologias que impulsionaram nossas primeiras idas ao espaço, foguetes poderosos (vulgo mísseis balísticos intercontinentais) e bombas atômicas. Essas duas criações, juntas, podem facilmente propiciar a destruição da civilização. Felizmente, elas são caras o bastante (ainda) para estar apenas ao alcance de instituições governamentais, mas não nas mãos dos terroristas e criminosos de fundo de quintal. Então, salvo a ação de algum maluco (alguém aí pensou GWB?), por ora, a destruição está fora do alcance.
Mas por quanto tempo? Em seu livro "Hora Final", o astrônomo real britânico, sir Martin Rees, defende que exista uma chance de mais de 50% de uma grande catástrofe capaz de destruir civilizações ocorrer ao longo do século 21. Ele aponta que, somando-se ao temor nuclear, novas tecnologias, como o desenvolvimento de máquinas minúsculas capazes de auto-replicação e de supervírus, estão atingindo maturidade suficiente para ameaçar a humanidade. Mais que isso, Rees ressalta que o uso de algumas dessas novas tecnologias não exige um esforço do tamanho do Projeto Manhattan (que desenvolveu as primeiras armas nucleares americanas). Em vez disso, qualquer pé-rapado com um mínimo de conhecimento, um laboratório de meia pataca, uma conexão à internet e uns poucos equipamentos e suprimentos pode ser suficiente. E o poder de devastação seria tão grande -- ou até maior --que o de uma bomba atômica.
Trocando em miúdos, o poder de fazer grandes estragos está cada vez mais na mão de indivíduos. E há muitos loucos por aí. Será que essa é a reposta ao paradoxo de Fermi?
Gostaria de acreditar que não. E há os otimistas. O astrobiólogo americano David Grinspoon, por exemplo, em seu livro "Planetas Solitários", usa as estatísticas para superar esse temor. Ele acredita que, com muitas civilizações surgindo no Universo, é muito improvável que pelo menos algumas delas não consigam superar esse "gargalo tecnológico" e sobreviver. Fermi entra correndo pela lateral do palco e diz: "Onde elas estão?"
Grinspoon não sabe. Eu também não. Só sei que, quanto mais tempo nós sobrevivermos a nós mesmos, maiores devem ser nossas esperanças de encontrar alguém lá fora e aplacar a nossa solidão cósmica.
Salvador Nogueira