Caso de polícia.
É inacreditável que tenha ficado longe das manchetes, mas aconteceu. É um escândalo --um roubo de 1 milhão. De estrelas.A larápia foi a Via Láctea, e o delito acaba de ser revelado por um trio de astrônomos italianos. O trabalho dá uma nova perspectiva à história pregressa de um aglomerado globular chamado NGC 6218. Sim, ele, pobrezinho, foi a vítima.
ESO |
Imagem do VLT mostra o centro do aglomerado globular NGC 6218 |
O NGC 6218, também chamado de Messier 12 (por ter sido catalogado pelo francês Charles Messier, em 1774), está localizado a cerca de 23 mil anos-luz da Terra. Ele é apenas um entre os cerca de 200 aglomerados globulares conhecidos na Via Láctea, mas sua história parece ter sido mais trágica que a de outros.
A afirmação, que contraria avaliações anteriores, é de Guido de Marchi, da ESA (Agência Espacial Européia), Luigi Pulone e Francesco Paresce, ambos do Inaf, na Itália. Eles redigiram um artigo já aceito para publicação no periódico científico "Astronomy and Astrophysics".
O título do estudo mostra que o trio de cientistas não é muito bom de marketing. Nele, eles apresentam uma questão que intriga a humanidade há muitos anos. "Por que a função de massa do NGC 6218 é plana?" A pergunta cifrada serve para apresentar o problema que revelou a ganância da nossa galáxia, que sem dó nem piedade tomou de assalto cerca de 1 milhão de estrelas do Messier 12. Hoje, o aglomerado tem apenas cerca de 200 mil.
ESO |
Ilustração mostra órbita do aglomerado NGC 6218 ao redor do centro da Via Láctea |
A explicação proposta pelos cientistas é que a órbita do NGC 6218 na verdade o leve periodicamente para muito mais perto do centro da Via Láctea do que antes se pensava. Com isso, a interação gravitacional com a galáxia aumenta, e estrelas são arrancadas do aglomerado e colocadas em órbitas independentes ao redor do centro galáctico. É um assalto mesmo.
As observações, feitas com o VLT (Very Large Telescope) do ESO (Observatório Europeu do Sul), no Chile, revelaram uma estranha deficiência de estrelas de baixa massa. O normal nesses aglomerados é ter muito mais astros de pequeno porte do que os de grande. No Messier 12, no entanto, a distribuição parece ser estranhamente mais igualitária --para os íntimos, a função de massa é plana.
Os pesquisadores admitem que suas conclusões são incompatíveis com análises anteriores do Messier 12. Mas em compensação destacam que os dados parecem se encaixar muito melhor às observações feitas com o satélite europeu Hipparcos. Agora eles têm a expectativa de que o Gaia, sucessor do Hipparcos, ainda a ser lançado, confirme suas conclusões.
Uma coisa, no entanto, já parece certa: a criminalidade definitivamente atingiu a esfera cósmica. A Guarda Espacial que se cuide.
Salvador Nogueira