Quando o Sol bater na janela do seu quarto.
Quando eu era pequeno, vivia transtornado com a idéia de que a Terra fosse ser destruída em mais uns 5 ou 6 bilhões de anos. Mesmo sabendo que naquele futuro longínquo nem os meus descendentes mais remotos poderiam sofrer com as conseqüências, aquilo me incomodava. Com o tempo, no entanto, fui aceitando que é assim que as coisas são; o Sol, hoje benevolente, não pode ser responsabilizado pelo que vai acontecer. É a sua natureza.Estrelas, como o Sol, são imensas bolas de gás compostas principalmente por hidrogênio. Em seu núcleo, devido à violenta pressão, esses átomos de hidrogênio começam a colar uns nos outros, no processo de fusão nuclear. É essa energia produzida de fora para dentro que compensa a gravidade do gigantesco objeto (de dentro para fora) e mantém o Sol estável, com o mesmo tamanho e capaz de brilhar.
Nasa |
Imagem do Hubble mostra Betelgeuse, gigante vermelha a 600 anos-luz da Terra |
Quando o Sol for essa gigante vermelha, daqui a uns 5 ou 6 bilhões de anos, seu tamanho atingirá a órbita da Terra. Ou seja, os três primeiros planetas do Sistema Solar estarão dentro da estrela e, portanto, serão desintegrados. É o fim da história.
Claro, vale aplicar uma pitada de sal cósmica à catástrofe: 6.000.000.000 anos é muuuuito tempo. A espécie humana só existe há uns 180 mil anos. É improvável que estejamos por aqui para testemunhar a destruição da Terra.
Mas e se a desgraça viesse em 1 bilhão de anos apenas?
É o que sugerem os cientistas norte-americanos Peter Ward e Donald Brownlee, autores de "The Life and Death of Planet Earth" (Vida e morte do planeta Terra), livro ainda não-publicado no Brasil. Eles apontam que o Sol, embora ainda esteja em seu estado "normal" (ou seja, convertendo hidrogênio em hélio), aumenta gradualmente sua atividade. Esquenta. E, em 1 bilhão de anos, o aumento de temperatura será suficiente para fazer evaporar toda a água na superfície da Terra. Sem água, sem vida. O mundo inteiro seria esterilizado, como fazemos ao ferver água no fogão de casa.
O que Ward e Brownlee querem dizer com seu livro é que não só vivemos num planeta especial mas também vivemos numa época especial --o período em que nosso planeta é habitável. Não vai durar para sempre. E, do ponto de vista da vida, o fato de restar "apenas" 1 bilhão de anos indica que os melhores anos certamente já se foram. Estima-se que as primeiras formas de vida tenham surgido ao redor de 4 bilhões de anos atrás. Se a vida como um todo vivesse cem anos, poderíamos dizer que ela já está chegando agora aos 80. (Uma senhora idosa, sem dúvida.)
Como ser humano, eu não gosto dessa idéia. Como forma de vida, menos ainda. Quero mais tempo. E aí é que dá gosto ser uma criatura inteligente, capaz de apreender as leis da física e, com isso, manipulá-las. "Não contavam com minha astúcia!", já dizia o Polegar Vermelho. Ou melhor, três astrônomos americanos que parecem ter a resposta para salvar a Terra. Basta que a troquemos de órbita, ora bolas!
Hoje em dia, é um sofrimento empurrar até um simples foguete para uma órbita além da Terra no Sistema Solar --embora façamos isso com razoável sucesso e regularidade. Imagine só empurrar um planeta inteiro até lá! Então como diabos Donald Korycansky, da Universidade da Califórnia em Santa Cruz, Gregory Laughlin, do Centro de Pesquisa Ames da Nasa, e Fred Adams, da Universidade de Michigan, pretendem executar essa façanha?
A idéia é dar uma de Robin Hood cósmico, roubando energia de alguns astros e transferindo-a para a pobre Terra. O segredo para fazer isso seria desviar algum astro distante, como um cometa, para as imediações terrestres. Ao passar de raspão pelo planeta, ele seria atraído gravitacionalmente e, portanto, acelerado (o mesmo efeito que ajuda naves espaciais a chegarem aos confins do Sistema Solar depois de uma passagem de raspão pelo planeta Júpiter, no chamado efeito estilingue). O que ninguém costuma levar em conta é que o efeito é mútuo: enquanto o cometa, que é menor, acaba sendo muito mais acelerado pela força gravitacional, a Terra seria apenas ligeiramente empurrada na direção contrária --ampliando de leve sua órbita ao redor do Sol. (Sim, cada espaçonave que passa por Júpiter traz aquele gigante gasoso para mais perto de nós, ainda que o efeito seja negligenciável, considerando os tamanhos da sonda e do planeta em questão.)
Segundo Korycansky, Laughlin e Adams, seria preciso realizar esse procedimento a cada 6.000 anos aproximadamente, para aos poucos "erguer" a órbita terrestre e evitar a fritura do planeta em 1 bilhão de anos. Claro, a longo prazo, isso também evitaria que ele fosse consumido dentro do Sol quando ele se convertesse numa gigante vermelha.
Nesta fase final, mesmo salva, a Terra seria inabitável --muito perto de sua estrela para evitar a esterilização. Mas estou certo de que, se os humanos conseguirem manter um esforço contínuo de salvação do planeta com uma intervenção a cada 6.000 anos, eles também serão capazes de estabelecer colônias em outros mundos; com o tempo, possivelmente até mesmo ao redor de outras estrelas.
Depois que o pior passar, e o Sol se retrair numa anã branca (quando for incapaz de fazer fusão com qualquer elemento químico, a gravidade tomará conta e fará com que ele encolha a um tamanho muito pequeno), a Terra ainda estará por aqui, como um mundo gélido e sem vida. Ainda assim, terá os resquícios do berço de uma civilização que transcendeu o tempo de vida de seu próprio planeta.
Daqui a vários bilhões de anos, haverá muito trabalho para as expedições arqueológicas humanas à Terra. A despeito de toda a sabedoria e de todo o poder adquiridos, e dos éons transcorridos, o homem prosseguirá em sua eterna busca, à procura de respostas sobre suas próprias origens.
Salvador Nogueira, 26, é repórter de Ciência da Folha e autor de "Rumo ao Infinito: Passado e Futuro da Aventura Humana na Conquista do Espaço". Escreve às quintas para a Folha Online |