Líquens podem viver no vácuo espacial.

SALVADOR NOGUEIRA

Seres humanos expostos ao vácuo espacial morrem em questão de segundos. Mas líquens podem viver muito bem no espaço --pelo menos por alguns dias. É o que mostra um estudo recém-completado pela ESA, a Agência Espacial Européia, reavivando a idéia de que seres vivos possam ser transferidos de um planeta a outro, pegando carona em meteoritos para a viagem interplanetária.

O experimento foi realizado em parceria com a Rússia, numa espaçonave Foton. Embora o veículo seja não-tripulado, o modelo é baseado na venerável cápsula Vostok, em que Yuri Gagarin realizou o primeiro vôo espacial humano da história, em 1961. A vantagem de usar um veículo desse tipo como plataforma para experimentos é justamente a capacidade de trazê-lo de volta ao solo.

Em anos recentes, a ESA tem fornecido praticamente toda a carga útil desses lançamentos. A última missão, Foton-M2, decolou de Baikonur, no Cazaquistão, em 31 de maio. A espaçonave passou cerca de 16 dias em órbita.

Um dos experimentos mais interessantes do último vôo envolvia os tais líquens. Eles na verdade não são organismos individuais, mas uma composição de células de fungos e de algas, vivendo em "colaboração". As algas, capazes de fazer fotossíntese, ou seja, produzir energia para sustentar o organismo a partir de luz, fornecem alimento para os fungos, que por sua vez ofertam às algas ambiente em que possam proliferar.

A bordo da Foton-2M, os líquens foram expostos ao ambiente espacial por pouco mais de 14 dias, onde não só tiveram de sobreviver à ausência de uma atmosfera como também precisaram lidar com altos níveis de radiação solar ultravioleta.

Depois de trazidos de volta ao planeta, os líquens foram levados ao Estec, um centro da ESA em Noordwijk, na Holanda, onde os pesquisadores responsáveis pelo experimento, liderados por Leopoldo Sancho, da Universidade Complutense de Madri, na Espanha, puderam analisá-los.

Os resultados preliminares foram apresentados pelo grupo numa reunião no Estec. Eles demonstraram que os líquens passaram bem no "teste de sobrevivência", permanecendo vivos e mantendo sua capacidade de realizar fotossíntese após a viagem.

A conclusão não é de todo surpreendente; na missão lunar Apollo-12, no final de 1969, os astronautas tiveram de trazer de volta da Lua certas peças da sonda não-tripulada Surveyor-3, enviada para lá em 1967. Ao analisarem a câmera trazida de volta, os cientistas descobriram uma colônia de bactérias Streptococcus mitis enviada originalmente com a missão não-tripulada. Foi possível "reavivar" essas bactérias, que portanto se mantiveram viáveis, mesmo depois de expostas ao ambiente lunar por quase dois anos.

Para o astronauta Pete Conrad, da Apollo-12, essa teria sido a maior "descoberta" de sua viagem lunar --mas foi totalmente acidental. O novo experimento, realizado pela ESA, confirma essas conclusões, mas agora de forma controlada e intencional.

A confirmação reforça a idéia de que, por exemplo, bactérias pudessem ser transferidas de Marte para a Terra (ou vice-versa) em meteoritos. Sabe-se que, em razão de impactos de asteróides que arrancam pedaços da superfície dos planetas para o espaço, os planetas estão a todo o momento trocando pedregulhos entre si. Vários meteoritos de origem marciana já foram encontrados na Terra.