Grupo "vê" a fusão de cadáveres estelares.
SALVADOR NOGUEIRA
Eis que, da colisão de dois cadáveres estelares, nasce um novo tipo de buraco negro. Foi o que concluíram cientistas após detectar uma explosão de alta energia nos confins do espaço, registrada pelo satélite Hete-2, da Nasa, em 9 de julho. Caso a hipótese se confirme, será o fim de um grande mistério astronômico: a origem das rajadas curtas de raios gama.
Assim como a luz e outras formas de radiação eletromagnética, os raios gama também são compostos de partículas, os fótons. Só que nenhum tipo de radiação carrega mais energia por fóton que os raios gama. Ao constatar que esse tipo de radiação aparece na detonação de um artefato nuclear, nos anos 1960 os americanos lançaram uma série de satélites (Vela), com o intuito de vigiar outros países e detectar testes não-autorizados de bombas atômicas.
O que esses satélites detectaram foi, no entanto, bem mais interessante: fortes rajadas de raios gama vindas do espaço exterior. Ou havia muitos ETs lá fora brincando de "guerra nas estrelas" ou algum fenômeno natural estava produzindo essas explosões.
Quarenta anos depois, os cientistas já sabem um bocado mais sobre as rajadas de raios gama. Sabe-se, por exemplo, que elas vêm em duas versões: longas e curtas. As longas, medidas em dezenas de segundos, estão em geral associadas às supernovas --estrelas com muita massa que esgotam sem combustível e explodem.
O que se segue à explosão é a implosão do que restou do núcleo da estrela. Se a matéria remanescente for até duas vezes e meia a massa do Sol, o esmagamento faz com que os elétrons se reúnam aos prótons, formando partículas de carga neutra --o cadáver da estrela passa a ser inteiramente feito de nêutrons. Se o núcleo da supernova for maior que isso, a implosão é tão intensa que nem a luz consegue escapar do objeto central -nasce um buraco negro.
Curta e grossa
As poderosas rajadas curtas de raios gama, no entanto, escapam a esse roteiro -o que torna explicá-las um desafio ainda mais formidável. Daí a importância da observação feita pela equipe liderada pelo americano George Ricker, com o satélite Hete-2. Com a espaçonave, que voa sobre a Terra numa órbita baixa de cerca de 625 km de altitude, os cientistas puderam determinar com precisão a direção do disparo curto de 9 de julho, com apenas dois segundos de duração. Puderam então, com outros telescópios, observar o chamado "brilho posterior" ("afterglow", em inglês) do objeto que a emitiu, localizado numa galáxia relativamente próxima. Foi a primeira vez que se viu esse fenômeno na freqüência da luz visível.
Essa descoberta se juntou a outra muito parecida, feita com o satélite Swift, também da Nasa, dois meses antes. Uma bateria de estudos reportando os achados deu capa à revista "Nature" (www.nature.com) no início do mês.
Ambas as rajadas curtas de raios gama apontam na direção de que o disparo tem origem na fusão de duas estrelas de nêutrons. "Ainda não é uma confirmação, mas as evidências apontam indiretamente nessa direção", diz João Braga, astrofísico do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), em São José dos Campos, que é co-autor do estudo e foi responsável pela montagem de uma estação de recepção em Natal (RN) para coletar dados do satélite Hete-2.
Um conto de duas estrelas
Como diria o escritor britânico Charles Dickens, para esses dois astros já se foi o melhor dos tempos e o pior dos tempos. Tudo começa quando duas estrelas muito maciças surgem uma do lado da outra, formando um par. Elas orbitam ao redor de um centro comum e queimam rapidamente seu combustível. Ao final, uma após a outra, se tornam supernovas. Começam a acelerar em suas órbitas, reduzindo a distância entre si. Por fim, se fundem. No processo de fusão, emitem uma rajada curta de raios gama. Ou, pelo menos, é o que diz a teoria.
"Os resultados apontam na direção deste modelo, em primeiro lugar, pelo lugar em que ocorrem. Conforme aumentamos as estatísticas, podemos ver que eles acontecem mais em galáxias em que a formação de estrelas é baixa [portanto o fenômeno deve ser fruto de astros mais velhos]", diz Braga. "Em segundo, o brilho posterior óptico é muito fraco, como sugerem os modelos. Em terceiro, os eventos não têm a assinatura típica de uma supernova."