Singelo luar de uma noite marciana.

Ah... nada mais romântico que uma noite de céu límpido sob a luz do luar, certo? Bem, não se você estiver em Marte. As duas pequenas luas marcianas costumam fazer uma travessia célere pela abóbada celeste. Em poucos minutos, atravessam o céu por inteiro e mergulham no horizonte, e você é deixado na mais completa escuridão, apenas com a fraca luz das estrelas. Temos de convir que é um espetáculo bem diferente do que os terráqueos costumam ver em seu planeta, mas não menos impressionante. E o jipe Spirit, da Nasa, que não é de reclamar da friagem ou das noites insones, transmitiu uma seqüência de imagens que ilustra como um ser humano veria esse espetáculo da natureza.

JPL/Nasa
Animação mostra luas atravessando o céu marciano
Animação mostra luas atravessando o céu marciano
Aí está. Noite do dia 26 de agosto na cratera Gusev, Marte. O robozinho aponta sua câmera panorâmica para o céu, bem a tempo de flagrar o movimento das duas luas marcianas. A menor, mais à esquerda, é Deimos ("terror"). A mais brilhante, à direita, é Fobos ("medo"). Na mitologia grega, esses são os dois filhos do deus da guerra, Ares (Marte, para os romanos). Daí a escolha desses nomes por seu descobridor, o astrônomo americano Asaph Hall, que as viu pela primeira vez em agosto de 1877.

ESA
Imagem da Mars Express mostra Fobos, a maior das luas de Marte
Imagem da Mars Express mostra Fobos, a maior das luas de Marte
Admitamos: perto da nossa Lua, os satélites naturais marcianos são uma belíssima porcaria. O maior deles é Fobos, com um formato irregular e 27 quilômetros de largura máxima. Já Deimos, também irregular, tem na melhor das hipóteses 15 quilômetros de diâmetro. Para efeito de comparação, a Lua terrestre, aproximadamente esférica, tem 3.473 quilômetros de diâmetro.

Olhando para esses números e para as imagens detalhadas obtidas das luas marcianas, é difícil pensar nelas como pouco mais que asteróides, meros pedregulhos capturados pela gravidade do planeta vermelho e "aprisionados" em órbita ao redor dele. Na verdade, os cientistas acreditam que seja exatamente essa sua a origem. Mas isso não impede que eles proporcionem eventos belíssimos para quem estiver na superfície marciana e se dê ao trabalho de olhar para o céu.

Uma coisa que se nota de imediato ao observar a travessia de Fobos e Deimos é que uma atravessa o céu mais depressa que a outra. Isso acontece porque Fobos está orbitando mais perto da superfície de Marte, enquanto Deimos está mais distante. Segundo a gravitação universal (cortesia de sir Isaac Newton), órbitas mais próximas exigem velocidades de translação maiores do que órbitas mais distantes. Trocando em miúdos: Fobos é mesmo mais afobado, concluindo uma volta em torno do planeta a cada sete horas. Já Deimos precisa de 31 horas para fechar uma órbita. Mas, de novo, nada que se compare à nossa Lua, que precisa de 28 dias para dar uma volta ao redor da Terra.

JPL/Nasa
Spirit fotografa eclipse solar em Marte, causado por Fobos
Spirit fotografa eclipse solar em Marte, causado por Fobos
O Spirit e o Opportunity, trabalhando em lados opostos de Marte, foram originalmente projetados como robôs-geólogos, mas acabaram se revelando talentosos como "astrônomos amadores". Ao longo do ano e meio que passaram em Marte, eles não só fizeram observações interessantes de Fobos e Deimos à noite como também observaram, durante o dia, eclipses solares --momentos em que as luas marcianas passaram na frente do disco solar, obscurecendo-o parcialmente.

Todas essas observações ajudarão a determinar com mais precisão quais são as órbitas das luas marcianas. E isso permitirá definir qual será o trágico futuro de Fobos. Pois é, sabe-se que a lua já está a caminho do chão, perdendo altitude a cada passagem, lentamente. Hoje a distância é de cerca de 6.000 quilômetros da superfície, mas a cada cem anos Fobos fica 1,8 metro mais próximo do planeta vermelho. Em 50 milhões de anos, ele deve se espatifar na superfície, ou, num cenário menos catastrófico, se esfarelar em órbita, formando um anel ao redor de Marte.

A maior contribuição dessas observações, no entanto, é a mudança de perspectiva que elas nos fornecem. Marte não é mais apenas uma luzinha vermelha no céu. Em vez disso, nos asseguram os jipes Spirit e Opportunity, o planeta vermelho é um lugar, onde se pode vivenciar uma miríade de experiências humanas. De onde, em última análise, também se pode olhar para cima e sonhar com a vastidão dos mundos além. A Terra, dali, é apenas mais um ponto no céu --um pálido ponto azul.
Salvador Nogueira, 26, é repórter de Ciência da Folha e autor de "Rumo ao Infinito: Passado e Futuro da Aventura Humana na Conquista do Espaço".