Extrato vegetal ataca leishmaniose

Uma planta utilizada pela medicina popular pode se tornar a mais nova arma contra a leishmaniose tegumentar, uma das doenças parasitárias mais aterrorizantes a afetar o Brasil e outros países pobres do planeta. O extrato do vegetal, conhecido como saião (Kalanchoe pinnata), estimula o sistema de defesa do organismo a combater o causador da doença.

Depois de uma bateria animadora de testes em camundongos e em um único paciente humano, a expectativa é poder examinar em escala maior a ação da planta em pessoas, diz a biomédica Bartira Rossi Bergmann, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). "No que depende de nós, poderíamos realizar testes clínicos dentro de uns cinco meses", contou Bergmann à Folha.

Por causa da ampla utilização do saião (também conhecido por apelidos como folha-da-fortuna, coirama e folha-da-costa) na medicina popular brasileira, sem relatos de efeitos adversos, a pesquisadora estima que não há risco para os pacientes que a testarem.

Ironicamente, Bergmann explica que a idéia de estudar os possíveis efeitos da interação da planta com os parasitas unicelulares do gênero Leishmania, causadores da leishmaniose, veio do fato de que o vegetal inibe o sistema de defesa do organismo. E um "desligamento" de parte do sistema imune, como é mais conhecido, poderia favorecer a resistência à doença, porque parte da reação normal dele acaba sendo benéfica para o Leishmania.

Conforme o trabalho progrediu, no entanto, a equipe descobriu que, ao menos no caso da leishmaniose tegumentar, ou cutânea (que afeta a pele e as mucosas, destruindo-as e causando deformidade), o extrato da planta fortalece a ação do sistema imune.

Contra-ataque

O parasita (no caso, da espécie L. amazonensis, embora existam outras) precisa se alojar dentro da célula de defesa conhecida como macrófago durante seu desenvolvimento. As moléculas do extrato do saião, entre as quais parecem se destacar as do grupo dos flavonóides, fazem com que os macrófagos invadidos sejam ativados e liberem óxido nítrico, substância que mata a L. amazonensis.

Esse efeito benéfico foi verificado em camundongos infectados pelo microrganismo em laboratório e também num militar que pegou a doença na Amazônia. No caso dele, o tratamento com doses relativamente baixas por duas semanas fez estacionar as lesões causadas pela infecção.

O curioso é que as buscas por um princípio ativo do extrato da planta têm, por enquanto, surtido efeito oposto ao desejado em termos de eficácia. "Parece haver uma sinergia [atuação conjunta] entre as diferentes moléculas que potencializa a ação do extrato", conta a pesquisadora.

Por isso, pode ser que ela seja utilizada como fitoterápico, pelo menos por enquanto. De qualquer maneira, a forma atual do extrato mostra uma vantagem considerável em relação aos remédios utilizados contra a leishmaniose: é administrada por via oral, ao contrário dos atuais medicamentos, à base de antimônio, que são injetados.

Aliás, parece ser necessária a passagem pelo intestino para que o extrato surta efeito, o que sugere que o organismo transforma as moléculas da planta antes que elas ajam. Por isso, o grupo estuda a possibilidade de uni-la a moléculas que facilitem sua absorção no intestino.

"Ainda não sabemos se apenas a ingestão do extrato será capaz de curar a doença", adverte a pesquisadora. Apesar dessa dúvida, mesmo sua aplicação como medicamento auxiliar poderia ser útil, já que os remédios atuais são tóxicos para diversos órgãos --o saião ajudaria a diminuir a dose deles. Há também indícios de que ele possa agir contra a leishmaniose visceral, bem mais grave que a forma tegumentar.

No começo do mês, Bergmann e sua colega Sônia Soares Costa, do Núcleo de Pesquisa em Produtos Naturais da UFRJ, receberam um incentivo adicional para avançar nos estudos. A dupla ganhou um prêmio de R$ 20 mil, oferecido pela Fundação José Pedro de Araújo e patrocinado pela Usiminas, para pesquisas sobre o valor medicinal da flora brasileira.