Era uma vez...
Em um Reino distante existia um contador de histórias. Suas histórias eram conhecidas nos cantos mais longínquos, de norte a Sul desse Reino. Eram histórias sobre Magia, bruxos e heróis, cada qual, sempre pronto a defender os conhecidos códigos de honra e retidão que permeavam a Antiga Arte.Ano após ano o contador de histórias alegrava e encantava a população local com seus relatos. Cada história trazia um fundamento e uma moral, sempre cultuando os sentimentos mais nobres que estava acostumado a encontrar em seu dia a dia.
Um certo dia, a população, acostumada aos freqüentes contos que animavam as noites frias diante da fogueira, percebeu que nenhum conto novo chegava a seus ouvidos.
O Que teria acontecido?
Como andaria a saúde do velho contador de histórias?
O Que havia de errado?
Foi então que o Rei, um profundo admirador dos contos do velho, resolveu enviar um de seus cavaleiros a procura do ancião. Era uma missão difícil, ele sempre havia habitado em uma floresta distante, cercado por vegetação inóspita e pântanos. O Velho gostava da solidão. Só não se privava ao contato dos animais, esses, por muitas vezes, bem mais racionais que os seres humanos.
Passados 15 dias da partida do enviado do Rei, ele retornou com o semblante pesado e tristonho. Imediatamente o Rei, temendo por uma notícia fatal mandou que se apresentasse na sala do trono.
-Cavaleiro, o que tendes a me contar, diga logo, mesmo que seja a notícia de uma fatalidade!
Ao que o cavaleiro respondeu-lhe de forma entristecida:
-Meu Senhor, não mais terá as histórias que nos acalantavam e alegravam. Mas não por uma morte e sim por uma fatalidade. Nosso contador de histórias desaprendeu a narra-las!
O Rei não podia entender o motivo ou os motivos. Precisava saber mais. Nem mesmo seu cavaleiro conseguia explicar-lhe as razões. Foi quando se decidiu a enviar uma comitiva que deveria trazer a sua presença o contador de histórias.
E assim foi feito. A comitiva saiu radiante. Seriam eles os heróis a retornarem com a alegria do povo. Seriam eles a resgatarem a felicidade pequenina, mas que valia mais que o próprio ouro para o povo, já acostumado a entender e repassar os ensinamentos contidos nas histórias...tal como seus pais o fizeram e o pai dos seus pais...
Ao Final de 10 dias, a comitiva retorna trazendo o contador de histórias. O homem que, apesar de sua idade centenária, sempre demonstrou vigor e nunca aparentou os vastos anos que trazia nas costas estava transformado.
Não passava de um caco humano. Entristecido, carcomido, frágil...cansado. Imediatamente o Rei mandou que o levassem a seus aposentos, onde teria maior privacidade.
-Conte-me velho sábio! O Que se passa com você? Por que a tristeza se abate sobre seus ombros e te curva com o peso de 100 anos?
Foi nesse momento que por um breve instante o brilho retornou aos olhos do velho... foi quando ele começou:
Foi aí que o velho contador de histórias deu seu último suspiro e morreu, nos braços do Monarca que, ademais de todo seu poder, só pode abraça-lo e chorar.
-Senhor meu Rei, por muitos anos acostumei-me a ver bruxos, heróis. Todos sempre comprometidos com os ideais de justiça, mas sempre reconhecendo em si mesmos a dualidade do bem e do mal não-absolutos. Todos sempre aceitaram sua natureza de luz e sombras. Respeitavam a magia não como poderes ou poder político. Eram verdadeiros heróis estigmatizados, mas nem por isso ausentes de suas responsabilidades.
-Eram cavalheiros nos juramentos prestados. Conhecedores da natureza humana e de TODO que os cerca. Eram fiéis aos princípios da Magia e, encaravam-na não como um caminho de poder, mas como o poder do caminho para o auto descobrimento.
-E assim, a magia permanecia intacta, detentora dos poderes inerentes a todos os seres, presente. Manifestava-se quando necessária, sempre em defesa desses princípios. Era então que nasciam os heróis. Os bruxos eram esses heróis, regidos por um código não escrito, mas gravado em seus corações.
-Os heróis não suportam a falsidade, não toleram as mentiras, pois mentiras não são naturais e, aos heróis, só o que se manifesta naturalmente é verdadeiro.
-Via bruxos ensinando para manter esse código vivo. Esse código vivia na respiração, no sangue que corria em suas veias, na manifestação dos atos para com seus irmãos, na união mesmo na desunião.
-Hoje meu monarca, os tempos são novos. Procurando histórias para contar, encontrei falsos bruxos. Falsos não só em conhecimento como em ações. Vi esses bruxos destruindo os verdadeiros heróis com difamação, calunias, intrigas... Vi, sua Majestade, mesmo Irmão destruir Irmão, tudo pelo poder político ou psicológico. Vi a morte de heróis, vi sangue ideológico espalhado ao chão, alimentando os ratos. Vi falsos profetas, vi bruxos que não eram, mais poderiam ser bruxos, distanciarem-se do caminho. Vi aprendizes perguntarem a seus mestres se eram bons alunos, e ao final da noite, apunhalarem seus mestres enquanto dormiam.
-Enfim meu Rei, vi a magia morrer. Hoje o que se chamava bruxo não passa de uma sombra mal iluminada dos heróis de minhas histórias. Esses são os que encobrem a verdadeira magia com truques infantis, ou que manipulam essa magia de forma inconseqüente, sem pensarem nas conseqüências de seus atos. São os que proclamam o nome dos Deuses, que esperam serem atendidos, mas não compreendem que, até os Deuses podem se entristecer e refugiarem-se em sua tristeza. Os tempos são diferentes.
-Mesmo assim, decidi-me por reencontrar os heróis. Busquei por exatos 1 ano e 1 dia. Em meu caminho reencontrei velhos amigos. Verdadeiros heróis... Mas haviam esquecido-se do que significava a palavra bruxo em seus corações. Trancados em seus mundos entristecidos de magia, se alienaram dos acontecimentos. Preferiram abrir mão da Magia a lutarem por sua manutenção. Então, tornaram-se simples ferreiros, estalajadeiros, fazendeiros e esqueceram-se da glória e de seus juramentos.
-Meu senhor, os verdadeiros heróis estão mortos, mesmo que ainda habitem esse plano, estão mortos para a magia. Será que no fundo de seus corações ainda queima, mesmo que fraca uma última centelha da magia que já animou seus atos? Da magia natural e menos filosófica do que a que é pregada atualmente? Da magia da intenção, da felicidade e do respeito pelo que é Natural? Será que essa fagulha, se soprada da forma correta ainda pode tornar-se à fogueira que queimava em labaredas laranja e azuis de outrora? E que escreviam a fogo a palavra BRUXO?
-Por não saber essa resposta é que parei de escrever meu Rei. Nunca fui muito bom de imaginação, então, todos os meus contos, por mais fantásticos que fossem, eram verdadeiros. Relatos de acontecimentos criados a partir da magia desses heróis. Não tenho mais essa inspiração. Ela se foi, juntamente com o último que poderia ser chamado de BRUXO.
-Onde foi que erramos meu Monarca? Onde foi que desistimos de lutar?