Especialista em clonagem diz ser impossível copiar humano.
A clonagem de seres humanos é impossível. Essa opinião forte, talvez até radical, não vem de um cético sobre os recentes avanços nessa área, mas do líder do grupo que criou os primeiros embriões humanos clonados e conseguiu derivar deles células-tronco, o sul-coreano Woo-Suk Hwang.Comandando um grupo de cientistas na Universidade Nacional de Seul, Hwang fez manchetes no mundo todo com suas pesquisas nos dois últimos anos. Apesar de ser um otimista com relação à aplicação médica de seus resultados --o uso de células-tronco embrionárias, capazes de se transformar em qualquer tecido, para tratar doenças hoje incuráveis, como mal de Parkinson e alguns tipos de câncer--, Hwang diz que, ao menos com o conhecimento atual, é impossível criar uma cópia de um ser humano.
Hwang estará em Curitiba nesta quinta-feira, no Congresso Brasileiro de Genética Clínica. Mas falou antes com a Folha, por telefone, de seu escritório em Seul. Ele diz não conhecer bem os resultados brasileiros com células-tronco, mas espera aproveitar a ocasião para sondar possibilidades de cooperação.
Folha - Considerando o fato de que vários países ricos têm legislações restritivas quanto às pesquisas com embriões, o sr. vê o momento como uma oportunidade para países ainda em desenvolvimento, como a Coréia do Sul, produzirem ciência de ponta?
Woo-Suk Hwang - Eu acho que essa situação é uma boa oportunidade para contribuir com o desenvolvimento de países como Coréia e Brasil, e uma chance de desenvolver tecnologias avançadas. Nossa pesquisa com células-tronco embrionárias tiradas de pacientes tem um potencial muito bom para tratar doenças. Eu espero que o Brasil, que tem uma situação muito similar à da Coréia, também possa evoluir.
Folha - O governo da Coréia do Sul tem apoiado muito as pesquisas do seu grupo. As leis coreanas não são flexíveis demais para a condução de pesquisas?
Hwang - Boa pergunta. Na verdade, na Coréia, temos agora a chamada Lei de Bioética e Biossegurança, que começou a vigorar em janeiro de 2005. Nós tivemos de continuar nossa pesquisa sob as regulamentações e instruções estabelecidas pela lei. Só então o governo passou a apoiar totalmente a nossa pesquisa.
Folha - Que tipo de restrição essa nova lei impôs ao seu grupo?
Hwang - A clonagem reprodutiva é proibida. Aliás, eu sou fortemente contra a clonagem reprodutiva humana. Eu acho que ela é anti-ética, arriscada e impossível. Já a clonagem terapêutica é permitida, sob regras estritas. Só pudemos fazer nossos experimentos em condições bem específicas, como ar e temperatura [controlados] e monitoramento de sistemas de congelamento.
Folha - Seu grupo está organizando um sistema para distribuir as células-tronco que obteve. Como isso vai funcionar?
Hwang - Eu já discuti com o governo coreano a criação de um banco mundial de células-tronco. Gostaria de estabelecê-lo ainda neste ano. Aí, colocaremos todas as informações numa base de dados. Quando outro cientista quiser compartilhar informações com a base, ele poderá fazer isso já no ano que vem.
Folha - O seu sucesso está estimulando outros grupos na Coréia?
Hwang - Na verdade, eu acho que a nossa pesquisa pode estimular outros grupos não só na Coréia mas no mundo todo.
Folha - O seu grupo lidera as pesquisas em clonagem terapêutica. Quem mais está na corrida?
Hwang - Eu sei que o governo britânico já deu duas licenças, uma para um grupo [da Universidade] de Newcastle, comandado pelo doutor [Alison] Murdoch, e outra para o Instituto Roslin, de Ian Wilmut. Eles já me contataram e falamos de nossos experimentos. Essa relação entre nosso laboratório e os dois grupos tem sido uma experiência muito boa de intercâmbio, e eu acho que eles têm um potencial incrível.
Folha - E quanto à evolução das técnicas de clonagem? Quando Ian Wilmut criou a ovelha Dolly, em 1996, muitas tentativas foram necessárias para o sucesso. E agora?
Hwang - Como você sabe, há algumas diferenças entre óvulos animais e óvulos humanos. Os óvulos humanos são muito finos e frágeis. Portanto, uma grande dose de habilidade é necessária. Ian Wilmut visitou nosso laboratório em abril e disse que viu algumas diferenças entre a clonagem de animais e os procedimentos que usamos. No momento, a obtenção de células-tronco embrionárias por clonagem também é muito difícil. Mas estamos aperfeiçoando a técnica. No ano passado, produzimos uma linhagem de células-tronco a partir de 242 óvulos. Agora, obtivemos 11 linhagens a partir de 185 óvulos. A taxa de sucesso aumentou 15 vezes, comparada à do ano passado.
Folha - Muitos se opõem à clonagem reprodutiva justamente pelas dificuldades. Se a técnica se tornar segura, o sr. continuará contra?
Hwang - Você tem de entender. Há muitas diferenças entre a clonagem reprodutiva e a pesquisa de células-tronco. Os cientistas já conseguem obter linhagens de células-tronco embrionárias com a técnica de transferência nuclear, mas toda vez que foi tentado obter um embrião viável, ninguém conseguiu. Jamais. Clonar um ser humano usando nossa técnica e nossa pesquisa, eu considero que seria praticamente impossível.
Folha - Se alguém pegar um dos seus embriões e tentar implantá-lo num útero, não funcionaria?
Hwang - Nossos embriões clonados nunca poderiam dar origem a uma vida humana viável. Eles não têm a capacidade e o potencial.
Folha - Por quê?
Hwang - Os embriões clonados derivados de humanos têm grandes limitações em número de células [param de se dividir muito cedo e não evoluem mais]. O dr. [Gerald] Schatten, da Universidade de Pittsburgh, já tentou desenvolver clones de macacos. Ele não conseguiu avanço algum depois de transferir os embriões para uma mãe de aluguel. Nós achamos que a técnica de transferência nuclear só funciona para estabelecer linhagens de células-tronco embrionárias, mas não para desenvolver um clone humano.
Folha - O sr. diria com todas as letras que, com o conhecimento existente hoje, é impossível clonar um ser humano?
Hwang - Sim, nós achamos que é impossível.
Folha - Que tipo de aplicação o seu grupo está planejando para as linhagens de células-tronco que obtiveram recentemente?
Hwang - Pretendemos testar nossas linhagens em laboratório. E espero que no futuro possamos fazer testes com animais vivos.
Folha - Quanto tempo o sr. acha que levará até que possamos ter algum teste clínico com humanos?
Hwang - Eu não sei, não tenho como propor uma agenda exata. No entanto, esperamos diminuir o tempo da bancada ao leito, ou seja, diminuir o tempo entre os testes com animais e as aplicações em humanos. Mas não sei quando isso vai acontecer.
Folha - O sr. planeja estabelecer contatos com cientistas brasileiros em sua vinda ao país?
Hwang - Eu tenho muito pouca informação sobre os resultados de pesquisa com células-tronco brasileiras. Quando chegar ao Brasil, espero me encontrar e discutir com muitos cientistas brasileiros. Se nós chegarmos à conclusão de que seria bom estabelecer cooperação, ficaríamos muito felizes em fazer isso.