O yoga e a Paz.

               Para estudarmos a questão da paz, segundo a visão do Yoga, precisamos falar sobre o Karma. Karma significa ação e resultado da ação. Toda ação resulta em conseqüências. Essa é uma lei universal. O sofrimento atual com o problema da violência deve ser visto a luz da lei do Karma. Se hoje colhemos os frutos da violência, certamente plantamos sua semente no passado. Deveríamos ponderar sobre nossas atitudes e nosso modo de agir. Isto não é nenhuma novidade. Muitos pensadores têm analisado a questão das origens da violência, mas, segundo o Yoga existe uma causa básica de onde tudo se origina, e essa causa é egoísmo. Vejamos como isso ocorre:

O termo Asmita significa egotismo ou percepção de si como uma entidade egóica, centrada em si mesma e totalmente separada de tudo e de todos. Em termos estruturais o princípio do ego é Ahankara que significa literalmente “eu faço”. Ele é a causa básica do dualismo ou aparente separação entre o homem e seu criador (Yogananda, 1997). De Asmita surge a ação egoísta que leva a todo tipo de sofrimento. Asmita segundo o Yoga é a fonte básica de todo sofrimento humano. Pensemos em qualquer sofrimento humano e voltemos em sua causa e vamos ter o egoísmo como fonte causal primeira. Porque somos egoístas? Segundo o Yoga, isto se deve a Avidya, a ignorância transcendental, a falta de conhecimento de que somos seres espirituais e sendo assim, somos todos iguais e estamos  conectados. Essa nossa identificação com a matéria é que nos faz seres egoístas (Taimni, 1989).

A ação egoísta não inclui o outro. Tudo fica em função daquele que pratica a ação. Desse movimento egoísta surge a busca desenfreada pelo acúmulo de bens materiais e de poder, em detrimento dos demais. Movidos pelo egoísmo nos tornamos possessivos. Queremos nos apropriar de coisas e de pessoas. Essa relação possessiva com tudo que nos rodeia leva ao apego a todas as coisas que nos dão prazer. Esse apego nascido do que nos dá prazer é Raga, um desdobramento do egoísmo e outra fonte de sofrimentos. O apego gera o desejo pelos objetos e pessoas, que serão considerados apenas instrumentos para nossa satisfação pessoal (Taimni, 1989). Precisamos ser honestos e admitir que “o amor” que dizemos sentir pelo outro é geralmente um sentimento confuso e interesseiro. Basta a menor contrariedade para o nosso “sublime amor” se transformar em ódio. Sofremos enquanto não conseguimos o objeto de nosso desejo; quando o conseguimos sofremos com medo de perdê-lo e se o perdemos sofremos da mesma forma. Tomados pelo egoísmo ficamos cegos e agimos na tentativa insensata da nossa autopreservação enquanto ego. Para isso não nos furtamos em impingir sofrimento aos nossos semelhantes, aos animais e nem nos preocupamos com a degradação do meio ambiente. Todas as conseqüências dessas ações egoístas se voltarão contra nós, em forma de sofrimento, nesta ou em outra vida. Assim entende o Yoga.


Além da escravidão do apego ao que nos dá prazer, a relação egoísta com o mundo a nossa volta gera também o sentimento de repulsa a tudo que nos contraria. Essa repulsa é Dvesa, outra fonte de inúmeras perturbações. Dela nasce toda forma de intolerância, preconceito e racismo. Tudo que parece ser ameaçador aos registros habituais e viciosos do ego é sentido como desagradável e doloroso. Há então um movimento de defesa da integridade da nossa identidade ou personalidade. Surge, por conseguinte, sentimentos de asco, de aversão e um impulso crescente à violência (Taimni, 1989).


Ao identificar as causas da violência e de todos os outros sofrimentos humanos no egoísmo, o Yoga faz coro às pregações de Cristo e dos mestres espirituais. Nos nossos dias podemos ver essas pregações nas palavras de Dalai Lama, que incansavelmente nos têm sugerido a prática da tolerância e da compaixão. 


O processo civilizatório, principalmente no ocidente, tem sido marcado pelo egoísmo e pelo individualismo. Todas as mazelas dos nossos dias devem-se a isso.


Se a origem da violência e de outras formas de sofrimento encontra-se no egoísmo,  o que o Yoga propõe como saída para essa crise?

Para o Yoga, o ser humano só deixará de sofrer definitivamente com a conquista de Kaivalya ou libertação do estado de ignorância em que estamos submetidos. Enquanto a libertação não for atingida, em maior ou menor grau, estaremos sob o domínio do egocentrismo, gerando ações egoístas e sofrimento. Para trilharmos esse caminho que vai nos tirar da ignorância e nos levar em direção ao estado de bem aventurança, o Yoga propõe algumas práticas. Todas essas práticas visam a superação do estado comum de consciência estabelecida no ego, buscando estabelecer um novo estado de consciência fundada no Purusha ou espírito. A prática por excelência para conseguir esse estado é a meditação, compreendida nos três estágios de Dharana, Dhyana e Samadhi (concentração, contemplação e auto-realização). Com a meditação o Yoga visa atingir  Citta Vrtti Nirodhah, um estado de mente calma, sem movimento, pois é a mente em sua constante movimentação, a serviço dos interesses do ego, que cria todos os hábitos e vícios. A primeira tarefa são práticas de asceses (Tapas) para desenvolver a força de vontade e a disciplina necessária para o caminho espiritual. Tapas deve ser praticado juntamente com o estudo de si mesmo (Svadiaya). Svadiaya pressupõe o estudo dos textos sagrados do Yoga para recebermos os ensinamentos dos sábios (Rishis) a respeito da natureza humana. Tendo esses ensinamentos como guia podemos estudar nossa natureza e ficarmos conscientes de  nossos vícios e hábitos nocivos e da necessidade de enfrentá-los. Ao ficarmos conscientes do nosso egoísmo e seus desdobramentos realizamos a prática de Tapas para começar a superá-lo, fazendo um esforço no sentido de enfrentar e eliminar as impurezas do nosso ser.


Outra importante prática que deve ser realizada conjuntamente com Tapas e Svadiaya é a entrega ao Senhor (Isvara Pranidhana). Quando começamos a enfrentar com determinação as coisas que nos fazem mal e aos outros, com uma constante observação de nossas reações e sentimentos à luz dos ensinamentos dos mestres, percebemos nitidamente o funcionamento do ego. Então, praticamos a entrega ao Senhor. Se estivermos procurando seguir os ensinamentos, nos esforçando e dando o melhor de nós em nossas ações, os resultados serão bons. O Ser Espiritual é livre de desapego e não é perturbado emocionalmente, está sempre em bem aventurança. Quando praticamos esta atitude de entrega ao Senhor, de todas as nossas ações e seus resultados, estamos nos afastando do ego como centro de nossa consciência. A consciência centrada no espírito é ampla, holística e inclui os outros e toda a natureza.


Com essas práticas vamos desenvolvendo Viveka, o discernimento, a capacidade de discriminação entre o certo e o errado (Taimni, 1989).


Tendo Tapas, Svadyaya e Isvara Pranidhana (disciplina, estudo e entrega a Deus) como a base em que alicerça as demais práticas, o Yoga propõe o primeiro grande enfrentamento de nossa natureza egóica, a violência. Sugere a prática da não violência (Ahimsa).  Em nossa vivência de Ahimsa, esforçamo-nos para ficar conscientes de todas as  formas de violência, seja em ações, em sentimentos ou em pensamentos. A prática de Ahimsa transforma-nos em pessoas mais amorosas e felizes, pois essas são qualidades de nossa natureza espiritual.


O outro grande enfrentamento é em relação à mentira. O Yoga propõe a prática da verdade (Satya). Na verdade está a bem aventurança, porque nela  sintonizamos com as leis cósmicas (Dharma). Na falsidade e na mentira escondem-se o mal e o sofrimento. Gandhi fez de Ahimsa e Satya o centro de sua atividade espiritual e política, conseguindo a independência da Índia do domínio inglês.  Outros enfrentamos de nossa natureza egóica: a prática de não roubar (Asteya), o domínio da incontinência e da impulsividade (Brahmacarya), a prática da não possessividade (Aparigraha), o esforço para tornar o corpo e a mente pura (Sauca) e a busca constante de um estado de contentamento (Samtosa).

  Compreendemos assim que a paz é uma característica da bem aventurança e portanto, uma experiência pessoal. Se retirarmos a referência da pessoa humana, a questão da paz não tem sentido. Isto é importante ser dito, porque tendemos a enxergar a paz como algo externo a nós. Há todo um empenho em justificar a falta de paz e a violência nas carências sociais e na pobreza. Não se trata de desconsiderar estas questões, mas lembrar que a falta de paz e a violência começam dentro de nós. As práticas aqui elucidadas têm esse cunho pessoal e íntimo, embora suas conseqüências se expandam ao social e a todo ambiente externo. O Yoga não perde de vista as dimensões familiar, profissional, social e ambiental do homem. Orienta cada ser humano a cumprir seu Dharma, o dever e a responsabilidade na construção do mundo em que vive. Propõe a realização de Artha, a solidariedade entre os homens e o compartilhar de suas conquistas.


Nota-se que a filosofia do Yoga contempla a realização humana em sua existência integrada na ordem cósmica, na vida familiar e comunitária. A realização é pessoal, individual, mas, ela só tem sentido se for para realizar a troca, se for para ajudar o próximo a se realizar também. Rohit Mehta fala que o Yoga busca equacionar o problema da comunhão e da comunicação. Segundo esse autor, o esforço evolutivo do ser humano é o de se unir a ele mesmo. Ao atingir essa meta ocorre a comunhão. Somente quando ocorre a comunhão é que é possível haver a perfeita comunicação. Enquanto estivermos dissociados de nós mesmos não conseguiremos nos relacionar adequadamente com o outro. A esse relacionamento adequado chamamos Amor (Rohit Mehta, 1995).