A jornada do pensamento que tomou toda uma vida - Albert Einstein.

QUANDO TINHA APENAS 5 anos, em 1884, Albert Einstein percebeu subitamente que o mundo continha segredos. Foi quando ganhou de seu pai uma bússola, que lhe causou espanto porque podia ser virada para qualquer direção sem que a agulha deixasse de ficar sempre apontando para o norte. Aquilo, contou ele muitos anos depois, foi o despertar de sua curiosidade intelectual. A força invisível que comandava a agulha convenceu-o de que havia algo “por trás das coisas aparentes”. O mundo não era o que parecia ser.

Começou ali uma jornada intelectual que produziria uma completa transformação da nossa visão da realidade, a derrubada de conceitos milenares e a mais brutal e imprevisível derrota do senso comum. Nada mais adequado, por sinal, que o autor dessa façanha sem precedentes adotasse, como definição própria de senso comum, “a coleção de preconceitos que acumulamos até os 18 anos de idade”.

A viagem foi tão longa quanto solitária. Quando Einstein publicou seu artigo revolucionário “Sobre a eletrodinâmica dos corpos em movimento”, em que expunha a Teoria Especial da Relatividade, jamais tinha conversado com algum físico teórico — sobre qualquer assunto. Ele mesmo era um completo desconhecido, que não ocupava qualquer posto em universidade. Ganhava a vida como funcionário (assistente técnico de terceira classe) do Departamento de Patentes da Suíça, em Berna, cargo que tinha obtido depois de tentar em vão emprego de professor de física e matemática, tendo-se diplomado pela Escola Politécnica Federal Suíça em 1901. Mas quatro anos depois, com seus famosos cinco artigos na prestigiosa “Annalen der Physik”, ele desencadeou sua primeira grande revolução da Física.

Já tinha vivido, antes, uma revolução pessoal. Em 1902 sua namorada, Mileva Maric, tinha dado à luz uma menina, Lieserl, da qual não restam registros; criada pelos pais de Mileva, consta que ela foi dada para adoção. Albert e Mileva, que se casaram um ano depois, ao que parece jamais se interessaram por saber do destino da filha, o que não os impediu de ter mais dois filhos, Hans Albert e Eduard.

FOI EM 1908 que Einstein, àquela altura já detentor de imenso prestígio nos círculos científicos, ganhou seu primeiro posto acadêmico: privatdozent na Universidade de Berna. O que ganhava ainda não era o bastante para sustentar sua família, e por isso, a despeito da fama crescente, ele continuou funcionário do Departamento de Patentes. Finalmente, em 1909, pôde se tornar cientista em tempo integral, ao ser contratado como professor pela Universidade de Zurique. E no mesmo ano recebeu uma oferta ainda melhor da Universidade de Praga, para onde se transferiu, ganhando condições para o estudo e a pesquisa que oito anos mais tarde acabariam resultando numa nova e ainda mais espantosa revolução científica — e no começo do fim de seu casamento.

Em Praga, Mileva se sentia solitária e deslocada; e, com razão, cheia de ciúmes da prima de Albert, Elsa Lowenthal, por quem ele mostrava grande afeição. O casamento começou a ruir, embora ainda se arrastasse, por inércia, durante dez anos. A verdade é que a dedicação permanente à ciência fez de Einstein um marido indiferente — e um pai distante, embora, curiosamente, sempre tenha demonstrado gostar de crianças, pacientemente respondendo a cartas de alunos que lhe pediam ajuda para resolver problemas elementares de álgebra.

OS PROBLEMAS pessoais, no entanto, não eram capazes de lhe perturbar a viagem intelectual, cujo resultado mais extraordinário surgiu em 1915, com a Teoria Geral da Relatividade. Em síntese, é uma nova concepção da gravidade, que de um golpe resolve o velho problema da teoria newtoniana — a incompreensível ação instantânea à distância com que um corpo atraía outro, idéia que sempre incomodou ao próprio Isaac Newton — e esclarece certas perturbações na órbita de Mercúrio e o paradoxo da aceleração da gravidade constante, independente da massa dos corpos.

A explicação de Einstein é de tão difícil compreensão que para muita gente, ainda hoje, matéria continua atraindo matéria “na razão direta das massas...” Porque é difícil crer que matéria não atrai matéria, e sim provoca uma deformação no espaço (na realidade, no espaço-tempo, pois os dois conceitos já não mais podem ser considerados isoladamente). A Terra não gira em torno do Sol, mas segue uma trajetória reta no espaço encurvado pelo Sol. Para físicos como Richard Feynman, se o raciocínio que conduziu Einstein à teoria especial é perfeitamente claro, e ele foi apenas o primeiro a chegar onde mais cedo ou mais tarde outros seguramente chegariam, a teoria geral é fruto de um gênio supremo, e o insight que o levou à sua formulação, quase incompreensível.

O restante da vida de Einstein, entretanto, foi de certa forma uma longa frustração. Incapaz de aceitar o fim da causalidade implícito na mecânica quântica — cuja base inicial, ironicamente, foi lançada por ele mesmo num dos artigos de 1905 — buscou obsessivamente, sem sucesso, refutar a teoria. Estava convencido de que Deus não jogava dados com o Universo, como dizia, e tentou restabelecer o velho determinismo. Até o fim da vida ele persistiu buscando a ordem que estaria escondida sob o caos aleatório da nova Física. Mas em vão: esse segredo final “por trás das coisas aparentes”, se existe, continua oculto até hoje.

Ronald Fucs -  Publicação Jornal O Globo em 18/05/05