Grupo de brasileiros fabrica o menor colisor do mundo.

Pelo visto, a velha máxima segundo a qual tamanho não é documento também se aplica ao campo normalmente megalomaníaco da física de partículas. Enquanto os aceleradores ganham quilômetros e mais quilômetros de extensão, físicos da USP estão usando um anel de átomos de apenas 0,5 mm de raio para estudar detalhes antes invisíveis da colisão entre essas partículas.

Os pesquisadores do Cepof (Centro de Pesquisas em Óptica e Fotônica) da USP de São Carlos, no interior paulista, batizaram o circuito com um nome que não deve nada ao de seus congêneres maiores: Atomotron. Trata-se do menor colisor de partículas do mundo e também o que funciona com menor quantidade de energia.

Mas é claro que há outra diferença importante: enquanto os mega-aceleradores servem para enxergar o que ocorre com a matéria a altíssimas energias, o Atomotron enxerga a outra ponta do espectro, explica o coordenador da pesquisa, Vanderlei Bagnato.

Nós trabalhamos com átomos frios, cuja velocidade foi reduzida com a ajuda do laser, diz Bagnato. As partículas podem ser frias e pouco energéticas, mas a área é das mais quentes, brinca o pesquisador: nada menos que seis pesquisadores ganharam o Prêmio Nobel em Física trabalhando nela nos últimos anos.

Um deles veio da produção em laboratório do chamado condensado de Bose-Einstein, que rendeu a seu descobridores o prêmio de 2001 e também já foi feito pela equipe de Bagnato (leia quadro à direita).

Em temperaturas baixíssimas, perto do zero absoluto (na faixa dos microkelvins ou nanokelvins, que equivalem a milionésimos ou bilionésimos de grau), torna-se possível observar as colisões entre átomos individuais que vão dar origem às moléculas, unidades fundamentais de quase toda a matéria normal com a qual os seres humanos convivem no dia-a-dia.

Esse frio abissal é necessário, entre outras coisas, porque conforme a temperatura sobe os átomos ficam mais agitados e trombam com velocidade cada vez maior. Assim, na temperatura ambiente, fica impossível espionar as interações entre eles.

A técnica convencional para estudar esses fenômenos hoje é usar a chamada nuvem de átomos frios, uma simples esfera de alguns milímetros contendo um gás resfriado.

O problema é que essa nuvem contém uma mistura, uma média de tudo o que pode acontecer na colisão entre átomos, diz Bagnato. Isso dificulta o estudo dos detalhes mais finos do processo --afinal, em ciência, controle estatístico do que acontece no experimento é essencial.

Rebatida luminosa

O jeito encontrado pela equipe para driblar isso foi pensar numa maneira de manter os átomos sempre enfileirados, um atrás do outro, de maneira que a colisão acontecesse sempre no mesmo ângulo de visão.

Ora, um dos jeitos usados para esfriar ou desacelerar progressivamente os átomos é lançar contra eles um feixe luminoso. Os fótons, ou partículas de luz, funcionam quase como um freio de carro: por fricção, barram o avanço atômico.

Acontece que a aplicação de vários feixes de luz laser estrategicamente posicionados consegue não apenas tornar os átomos mais vagarosos mas também fazê-los andar em círculos.

Para entender como isso acontece, é útil pensar na seguinte analogia: imagine uma bola de pingue-pongue que é atingida pelo jato de uma mangueira. A tendência é que ele voe para longe, mas no momento exato outra mangueira a desloca para o lado. Depois, outra faz o mesmo até que se forme um movimento circular, movido a esguichadas.

É o que acontece com o Atomotron, só que os jatos dágua são feixes luminosos e as bolas são átomos do elemento químico rubídio. Quando interagem, esses átomos tendem a se juntar na molécula Rb2.

Com o colisor, os pesquisadores esperam ser capazes de estudar em detalhe como os elétrons que orbitam esses átomos interagem e são compartilhados durante o aparecimento da ligação química entre eles.

É uma reabertura de possibilidades no estudo de átomos ultrafrios, resume Bagnato. A idéia, concebida em parceria com Luis Marcassa, tem dado tão certo que o próximo passo deve ser a criação do que já está sendo chamado de Double Atomotron (Atomotron Duplo): dois anéis de átomos frios ficariam entrelaçados a um ângulo definido, o que geraria novas maneiras de estudar com precisão as suas interações. O trabalho descrevendo a primeira versão do projeto foi submetido à revista Physical Review Letters.

O estudo foi divulgado na revista Pesquisa Fapesp, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, órgão que apóia o trabalho de Bagnato e seus colegas.

Pioneiro

Bagnato e seus colegas do Cepof foram os primeiros pesquisadores em toda a América Latina a criar em laboratório um dos efeitos mais bizarros previstos pelo célebre físico alemão Albert Einstein. Trata-se de um conjunto de átomos a baixíssima temperatura que se comporta como se fosse um único átomo gigantesco.

Seu nome é condensado de Bose-Einstein, para honrar não apenas o criador da relatividade mas também o físico indiano Satyendra Bose, co-previsor do condensado na década de 1920.

Para conseguir a façanha, eles reduziram a temperatura de parte de uma nuvem de átomos do elemento químico sódio até 70 nanokelvin, ou seja, 70 bilionésimos de grau, muito perto do zero absoluto.

Os pesquisadores calculam que os cerca de mil átomos que chegaram a esse estado, nas condições do experimento, tenham passado a formar o condensado.

Por enquanto, esse estado é só mais uma das condições curiosas do mundo quântico, mas há sinais de que ele poderia se tornar a peça fundamental de radares futuristas, capazes de fazer o mapeamento de poços de petróleo ou de túneis subterrâneos