Maias comerciavam sal em larga escala, diz estudo.
Escavações feitas na costa sul de Belize (América Central) revelaram um verdadeiro complexo pré-industrial montado pelos antigos maias, com o intuito de produzir grandes quantidades de sal e "exportá-lo" para as ricas cidades desse povo no interior do continente.Os restos incluem tanto os locais onde o sal era produzido quanto fragmentos das embarcações usadas para transportá-lo em larga escala, revelando uma habilidade insuspeita desse povo pré-colombiano para o comércio a longa distância.
Tudo indica que o sistema todo havia sido montado pela "iniciativa privada", já que as regiões costeiras de Belize estavam a algumas centenas de quilômetros de distância dos principais centros maias e, portanto, fora do controle direto de seus governantes. É o que afirma a arqueóloga Heather McKillop, da Universidade do Estado da Louisiana (Estados Unidos), que escavou diversos sítios na laguna de Punta Ycacos.
O trabalho, publicado na revista científica "Proceedings of the National Academy of Sciences" ou "PNAS" detalha a descoberta de 41 novos armazéns de produção de sal, feita por McKillop no ano passado.
Assim como acontece nas comunidades maias da região que sobreviveram até hoje, a água do mar era colocada em grandes tachos de cerâmica e fervida até que evaporasse, deixando o sal no fundo das vasilhas. Restos da madeira usada para construir os armazéns, assim como a cerâmica dos tachos, foram identificados pouco abaixo do nível da água da laguna, que subiu nos últimos séculos.
Hoje coberta por um manguezal, a laguna de Punta Ycacos parece ter abrigado um complexo onde a produção de sal acontecia em construções de até 21 m por 12 m.
A julgar pelas datas obtidas pela pesquisadora com o método do carbono-14 (no qual o desaparecimento gradual de uma forma radioativa do elemento carbono ajuda a estimar a idade do objeto), a produção de sal ali foi mais ativa entre os anos 600 e 900 da Era Cristã. Parece claro que o sal não era para consumo local.
Bairro industrial
"A abundância de artefatos para a produção de sal e a falta de lixo doméstico, túmulos e restos de comida, que contrasta com sua presença comum em assentamentos da costa, indica que esses eram locais onde o sal era produzido para uso longe dali", escreve a arqueóloga americana.
"Claramente, com 45 armazéns [outros quatro já tinham sido achados na região], uma infraestrutura que incluía postes de madeira e o potencial da descoberta de mais armazéns em áreas da lagoa que ainda não foram estudadas, a produção de sal era intensa."
Para completar o quadro desse comércio de larga escala, McKillop também identificou os restos do primeiro remo maia antigo já encontrado, feito de uma peça única de madeira e com 1,45 m de comprimento.
Seu formato e dimensões parecem concordar perfeitamente com a única evidência disponível até então sobre o transporte fluvial e marítimo maia: desenhos rituais como o que acompanha este texto, mostrando deuses que trazem o milho do mar primordial para a terra firme durante a criação do mundo.
O remo indica o transporte do sal a partir das áreas costeiras, por canoa, até as grandes cidades maias. Seria relativamente fácil para esse povo utilizar os rios que irrigam a região e desaguam no mar para ir do litoral ao interior.
Com até dezenas de milhares de habitantes, as metrópoles maias exigiriam quantidades respeitáveis do mineral. Há indícios de que outros bens costeiros, como conchas, peixes-bois e tartarugas-marinhas, também eram "exportados" rio acima.
McKillop estima que esse comércio tenha sido eliminado com o colapso da civilização maia clássica, a partir do ano 1000.